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Crítica | O Informante (1999)

Um thriller social e existencial.

por César Barzine
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Obra de fôlego, mas não muito citada quando se fala na famosa leva de filmes do ano de 1999, O Informante é um trabalho que pode ser dividido em três camadas. A primeira é referente ao gênero, pertencendo à categoria de thriller político e filme-denúncia; a segunda é ligada à temática, em que a questão da denúncia é desenvolvida de forma abrangente, criando um caleidoscópio do que são os Estados Unidos em suas principais esferas de poder (indústria, governo e mídia); por fim, há a terceira camada, cujo gênero é um estudo psicológico e a temática está no íntimo do próprio indivíduo. Nesse  caso, o filme não busca falar da América, e sim de um americano.

A história é baseada na real controvérsia do setor de tabaco que, confidencialmente, adicionava componentes cancerígenos em seus produtos para levar os consumidores ao vício. Um caso como esse, que não era público até então, pode ser retratado por meio  de vários pontos de vista, ambos que coexistem tanto na realidade quanto nesta ficção: a partir da vivência de Jeffrey Wigand, um químico demitido de uma poderosa marca de cigarros que se torna  a grande mente capaz de revelar tais segredos; da produção do programa 60 Minutes, da CBS, porta-voz reveladora do escândalo; ou até mesmo da própria indústria de cigarros, que não ocupa uma presença explícita, atuando como uma abstração obscura e reativa que combate a ação daqueles que ousam confrontá-la.

Partindo da perspectiva da produção do 60 Minutes, o filme inicia-se com uma sequência deslocada do restante da narrativa para logo depois saltar ao núcleo pessoal de Wigand, que será o protagonista da trama sem dominá-la por completo. O pesquisador está sem emprego e enfrenta o problema de ter uma filha com asma tendo perdido o seu convênio médico. A partir daí, Wigand terá que enfrentar seus maiores conflitos internos e externos ao lidar com os atritos em torno de sua denúncia. Tais conflitos – que não se restringem somente a sua pessoa – serão expressos a todo momento pela habilidosa e variada mise-en-scène do filme, embora nem sempre tenha sucesso. 

Em passagens nas quais existem sinais de ameaça ao protagonista e sua família, há uma câmera fluida  que exerce o papel de observadora, ao mesmo tempo que, ironicamente, também há a presença de muitos cortes; chegando, junto com o ritmo dado, a soar tosca e fora do tom quando Wigand é intimidado num aeroporto. Por outro lado, é no plano estático e em close que Mann melhor trabalha as turbulências do personagem, trocando a tensão eletrizante pela tensão existencialista, esta que é mais íntima e exposta de forma contemplativa. É o que se vê  nos closes de Wigand conversando com o jornalista Lowell Bergman num plano conjunto; quando este primeiro está perto de um lagoseja sozinho ou acompanhado, no último caso, em outro belíssimo plano conjunto bastante significativo – e quando ele está, em dois momentos diferentes, na traseira de um carro; sendo esses dois últimos ambientes em que constam Wigand, em frente ao lago e no automóvel, elementos que acentuam a sua crise existencial.

A fotografia é heterogênea, mas sempre mantendo a unidade meio melancólica do longa. Ocorre um uso bastante funcional de contraste que exprime o caminho complicado que Wigand está tomando: numa das entrevistas concedidas por ele, que é feita por plano-contraplano, as imagens do entrevistador são mais claras, enquanto que as do entrevistado são mais escuras no seu entorno, o que realça todo o aspecto sisudo que ele experimenta naquele período. Em tantos outros momentos, a baixa iluminação vai se repetir, até mesmo de modo inevitável, assim como a fotografia também terá tons dominados por cores gélidas, azuis e marrons – todas presas à atmosfera depressiva que impera aqui. Acompanhamos uma multiplicidade de expressões que, no final das contas, se dão a partir de um único atributo soturno. Até mesmo o momento em que, aparentemente, destoa disso ao presenciarmos imagens idílicas, acaba tendo, na verdade, uma ênfase desse  teor tristonho. É o caso de quando Wigand relembra suas filhas e seu sereno passado através de um dissolver que distorce o visual e, de forma quase onírica, ilustra o que se passa na cabeça daquele homem tão atordoado.

Nessa  mesma linha, a trilha sonora, quando mais chama a atenção, é sempre para elucidar os instantes em que o protagonista se deixa controlar  pelos tormentos e a desorientação psicológica que ele vive em todo aquele transe do  qual busca manter-se firme. É nítido um abismo em sua face, na maioria dos casos salientada pelo seu silêncio, em que o som das músicas o complementa. Há duas situações contrárias em que opera o mesmo som – que é quando Wigand sofre com o abuso de poder dos próprios investigadores e quando ele se determina a seguir em frente com o seu trabalho de delator –, a qual é formado por acordes repetitivos e rápidos de violão que soam eletrizantes e exalam inquietação. A presença da mesma música é como se fosse um pequeno ciclo se fechando, o da total decadência e a superação dela, ambas condições diferentes, mas inseridas no mesmo estágio. Ocorre também, assim como na fotografia, uma variada aplicação de outras trilhas, mas ainda dentro de uma mesma unidade. Dessa  forma, ouvimos vocais operísticos e uma música moderna quase psicodélica exercendo um único papel de expor a sombria introspecção de nosso herói.

Porém, como já dito, O Informante não é um filme só sobre os obstáculos desse  homem, também presenciamos o lado dos jornalistas, em especial Bergman, que compartilha com o químico a dramatização de parte de seus problemas. No entanto, se é Wigand aquele que revela o fato e Bergman o responsável pelo maquinário ao redor disso, o primeiro vive o trajeto áspero do dilema, do dizer ou não dizer; já o segundo milita enfaticamente pelo rumo da expressão, colocando-se  como representante do ideário de jornalismo. Este terá que enfrentar os atritos corporativos tanto de sua oponente (a indústria de cigarros) quanto da sua casa (a emissora de TV). Temos, então, o idealismo daquele que fala e o idealismo daquele que propaga a fala. O primeiro é muito mais atraente e denso que o segundo; ele é antecedido pelo silêncio, pela subjetividade que desperta empatia porque carece de convicções. É um idealismo que vai se formando progressivamente em busca de um caminho. Já o segundo é cheio de certezas, maniqueísta e com chavões. Trata-se do idealismo que surge pronto, não procura por um caminho porque já está tudo determinado.

O Informante (The Insider) – EUA, 1999
Direção: Michael Mann
Roteiro: Michael Mann, Eric Roth, Marie Brenner (artigo)
Elenco: Al Pacino, Russell Crowe, Christopher Plummer, Diane Venora, Hallie Eisenberg, Lindsay Crouse, Philip Baker Hall, Debi Mazar, Colm Feore, Bruce McGill, Gina Gershon, Stephen Tobolowsky, Michael Gambon, Rip Torn, Michael Paul Chan, Cliff Curtis, Willie C. Carpenter, Gary Sandy, Wings Hauser, Breckin Meyer
Duração: 157 minutos.

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