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Crítica | O Homem que Queria Ser Rei

por Ritter Fan
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O Homem que Queria Ser Rei é uma magnífica aventura clássica baseada em obra homônima de Rudyard Kipling que, dentre diversos assuntos, aborda o imperialismo e a colonização em amplas pinceladas e mergulha de verdade na ambição do Homem, seja ela a de descobrir novas regiões e povos, seja pelo vil metal ou pela sedutora possibilidade de sermos equiparados a deuses. Contando com John Huston na direção e no roteiro (juntamente com Gladys Hill) em um projeto que o cineasta tentava tirar do papel desde os anos 50 e com uma espetacular trinca de atores – Sean Connery, Michael Caine e Christopher Plummer – o longa consegue ser talvez a perfeita fusão entre o entretenimento e a contemplação, entre a aventura desbravadora e a obsessão cega que acomete aqueles que voam muito perto do sol.

Inteligentemente usando o próprio autor da novela como personagem (Plummer), o que dá rosto e nome ao narrador sem nome da obra original publicada em 1888, o roteiro usa o artifício do enquadramento para trabalhar toda a inacreditável história de Daniel Dravot (Connery) e Peachy Carnehan (Caine) como um enorme flashback, com Peachy com o rosto todo queimado e deformado contando o que aconteceu com ele e seu inseparável colega a Kipling em seu local de trabalho na Índia. Começando com um simples furto de um relógio de Kipling por Peachy, objeto importantíssimo na narrativa que leva à conexão entre os personagens, o longa logo deixa evidente que Carnehan e Dravot foram dois soldados do Império Britânico que permaneceram na Ásia aplicando golpes variados e que, um belo dia, decidem marchar até o longínquo Kafiristão, região hoje localizada no Afeganistão, na fronteira com o Paquistão, para tornarem-se reis de lá.

A jornada da dupla, Dravot posando de “mago” e Peachy de seu servo, é abordada de maneira muito leve e agradável por Huston, usando muito fortemente o carisma de Connery como um personagem maior que o mundo e a profundidade dramática de Caine como um pouco de razão em meio à tanta loucura, além de uma linda fotografia em locação na França e Marrocos de Oswald Morris que empresta realismo e verossimilhança ao que pode muito ser interpretado como uma fábula. Chegando no Kafiristão, Huston não tem pressa em construir a ascensão da dupla de meros invasores completamente perdidos, mas muito sortudos, até o ponto alto da ambição deles que, na verdade, é ainda mais alto do que esperavam, já que Dravot acaba sendo tratado não apenas como um rei, mas como um deus, envolvendo-se uma história que o coloca na linha de sucessão de ninguém menos do que Alexandre, o Grande. Apenas de curiosidade, a bela Roxanne, por quem Dravot se encanta, é vivida por ninguém menos do que Shakira Caine, modelo e atriz original da Guiana, mas de ascendência indiana e de pouquíssimos papeis no cinema, e que era – e ainda é (eles casaram em 1973) – esposa de Michal Caine, contratada para viver a personagem em um jantar a que Huston foi convidado na casa do ator.

O absurdo quase surreal da narrativa é grande parte do charme da história que vemos desenrolar diante de nossos olhos, com a dupla Connery-Caine encantando imediatamente por uma química imbatível que ganha ainda mais cor pela presença de Saeed Jaffrey como Billy Fish, ex-soldado Gurkha do Império Britânico, que serve de conselheiro e, claro, tradutor. O crescendo de momentos hilários de coincidências que permitem a escalada dos ambiciosos, mas benevolentes, ex-soldados é um componente importante que é mantido até seu final que, claro, segue a perfeita lógica de uma história como essa e não poderia ser outro. Com isso, a linha-fina satírica e, portanto, crítica, do longa em relação ao Império Britânico e à colonização é algo que funciona naturalmente de pano de fundo, o que abre espaço para que Dravot cada vez mais ganhe seu espaço, com Connery realmente talvez vivendo o melhor personagem de sua carreira.

A direção de arte é estupenda ao conseguir lidar com a pobreza absoluta com a mesma naturalidade que lida com a riqueza absoluta do “reinado” de Dravot quando ele alcança o ponto máximo de sua curva de crescimento. Os figurinos e cenários de época vão igualmente em um crescendo, levando o espectador do realismo à fábula quando a cidade de Sikandergul finalmente é vista pela primeira vez e, depois, estudada em todos os seus detalhes gregos clássicos. Impressiona como é fácil aceitar as transições e a ascensão dos protagonistas por pura sorte (e cara-de-pau, claro), algo que a trilha sonora do mestre Maurice Jarre (Lawrence da Arábia, Doutor Jivago) amplifica com notas grandiosas que são simultaneamente repletas de toques de ironia musical.

O Homem que Queria Ser Rei é um longa-metragem primoroso que congrega como muito poucos um espírito de aventura estilo velha guarda que mantem-se atualíssimo mesmo hoje em dia, sem perder o subtexto de crítica geopolítica, talvez tão atual agora quanto na época em que se passa. E, como se isso não bastasse, é absolutamente hipnotizante ver Michael Caine contracenar com Sean Connery – e um pouco com Christopher Plummer – em dois papéis inesquecíveis que encapsulam a ambição do Homem.

O Homem que Queria Ser Rei (The Man Who Would Be King – EUA/Reino Unido, 1975)
Direção: John Huston
Roteiro: John Huston, Gladys Hill (baseado em novela de Rudyard Kipling)
Elenco: Sean Connery, Michael Caine, Christopher Plummer, Saeed Jaffrey, Shakira Caine, Doghmi Larbi, Jack May, Karroom Ben Bouih, Mohammad Shamsi, Albert Moses, Paul Antrim, Graham Acres, PJ Retiree
Duração: 129 min.

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