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Crítica | O Homem que Amava Discos Voadores

A verdade é o que nós queremos que seja.

por Ritter Fan
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Em 1938, a dramatização radiofônica de A Guerra dos Mundos por Orson Welles inadvertidamente criou pânico nos EUA quando alguns ouvintes realmente acreditaram que uma invasão marciana estava acontecendo. Apesar de a escala do ocorrido ser objeto de debates até hoje, fato é que sim, teve gente que efetivamente considerou o programa de entretenimento como verdade a ponto de esse evento ter se tornado lendário. Quase 50 anos depois, em 1987, o jornalista argentino José Bernardo Kerzer, que usava o nome artístico José de Zer, começou a fabricar uma série de reportagens sensacionalistas sobre alienígenas na região de Córdoba que fizeram enorme sucesso de audiência em seu país, entretendo e ludibriando (às vezes são sinônimos…) inúmeras pessoas com relatos cada vez mais bizarros.

E é esse momento peculiar no “jornalismo” argentino que o novo longa de Diego Lerman conta com muito bom humor em O Homem que Amava Discos Voadores, com Leonardo Sbaraglia vivendo de forma elétrica o repórter que, mesmo antes dessa cobertura, já era muito famoso por lá. Trata-se, claro, de uma abordagem ficcional de eventos reais, já que o roteiro que Lerman escreveu ao lado de Adrián Biniez faz exatamente o que De Zer fazia, exagera eventos para fins de espetáculo, em algo que pode ser visto tanto como homenagem quanto crítica a um dos jornalistas menos comprometidos com a verdade de que já ouvi falar, em uma época em que a expressão fake news como usada hoje em dia sequer existia e em que o fluxo de informações disponíveis ao público geral era infinitamente menor do que o intenso bombardeio a que somos submetidos hoje em dia.

O estopim do longa é uma proposta feita por empresários da cidade La Candelaria que vivera dias de glória em razão da mineração para usar círculos queimados no chão como base para uma série de reportagens sobre OVNIs com o objetivo de transformar o lugar em um destino turístico. Vendo dinheiro e fama por trás dessa oportunidade, De Zer parte com seu fiel escudeiro e cinegrafista Chango (Sergio Prina) para usar seu carisma e capacidade de ímpar de transformar o proverbial limão em uma limonada de forma a construir uma narrativa repleta de suspense forçado, descobertas hilárias e conclusões escalafobéticas sobre a presença de alienígenas na região, em uma escalada que vai dos meros círculos de terra chamuscada, passa por entrevistas com “testemunhas” e culmina em um passeio de helicóptero que leva o jornalista a uma mina abandonada.

Ou seja, o que Welles fez sem querer, De Zer fez de propósito e, ao que tudo indica, em escala proporcionalmente muito maior, já que o noticiário em que seus segmentos passavam estourou em audiência e marcou a vida de toda uma geração de argentinos. A abordagem cômica que Lerman imprime, portanto, é a mais acertada, já que uma história dessas simplesmente exige que a seriedade seja deixada de lado para que o humor que vem quase que naturalmente do inusitado da coisa toda possa ganhar destaque. Sim, há lições a serem tiradas do que vemos em tela, mas a fabricação de verdades que vemos hoje em dia é como um primo distante e maligno do que De Zer fez nos anos 80, mesmo que os paralelos existam como um subtexto bem discreto e mesmo que essa crítica muito evidentemente não seja o foco do cineasta, que parece muito mais interessado em genuinamente trazer à tona um personagem pitoresco da história recente de seu país.

O problema é que não há variações no que ocorre ao longo da duração do filme, mesmo que Lerman esforce-se em desafiar o equilíbrio mental do protagonista e faça uso de expedientes que resvalam no surrealismo. No final das contas, o humor é de uma nota só e nasce e morre no mesmo lugar, ou seja, no quão estranho parece um canal de televisão encampar as ideias de um jornalista que inventa fatos. Sem dúvida que Sbaraglia segura o longa sozinho, mas o ator não faz milagre com um roteiro que não passa de mais do mesmo – só que com um pouco mais de exagero – a cada nova sequência, sem dar estofo maior a De Zer ou a criar personagens coadjuvantes que mereçam essa classificação. Não há, portanto, material suficiente para justificar o tempo de duração e o filme começa a rodar em falso muito cedo, quando o fator novidade passa e não é substituído ou recarregado.

No entanto, como tentativa de resgatar um episódio bizarro da televisão argentina que, mal ou bem, encontra ecos em diversos outros exemplos semelhantes de manipulação da informação pelo mundo pré-internet, e do homem por trás dele, O Homem que Amava Discos Voadores é inegavelmente uma curiosidade. José de Zer, que faleceu muito cedo, aos 56 anos, ganha um epitáfio tardio que, desconfio, ele teria apreciado.

O Homem que Amava Discos Voadores (El Hombre que Amaba los Platos Voladores – Argentina, 2024)
Direção: Diego Lerman
Roteiro: Diego Lerman, Adrián Biniez
Elenco: Leonardo Sbaraglia, Sergio Prina, Osmar Núñez, Guillermo Pfening, María Merlino, Mónica Ayos, Norman Briski, Eva Bianco, Daniel Aráoz, Renata Lerman
Duração: 107 min.

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