Home FilmesCríticas Crítica | O Homem dos Sonhos

Crítica | O Homem dos Sonhos

Sonho viral.

por Felipe Oliveira
3,3K views

A ideia sobre um homem que se torna uma aparição comum nos sonhos de diferentes pessoas parece algo extraído de A Hora do Pesadelo 3, inspiração essa que Kristoffer Bogli não nega, mas que, certamente, serviu como forma de trabalhar sua analogia sobre a figura viral na web e a cultura do cancelamento. Olhando para seu filme de estreia, Sick of Myself, que também tratava do status de imagem, o diretor norueguês lança um olhar existencialista ao tema, o que faz o filme borbulhar um tom de tragicomédia  quase que satírico e teatral em alguns momentos, mas que funciona pela performance de Nicolas Cage na pele de um homem comum que “viraliza” e se torna vítima da cultura do cancelamento.

Antes de ser óbvio como a história espelha esse sintoma da internet, O Homem dos Sonhos se mostra divertido na maneira que um professor vai atingindo notoriedade. Das muitas inspirações que os consagrados personagens do slasher foram impactando a cultura pop, é interessante o uso do Freddy Krueger para além dos mais comuns, sendo Jason Voorhees e Ghostface. A base de A Nightmare Elm Street 3: Dream Warriors coloca o sonho como uma analogia a como, no meio virtual as pessoas são vistas pelas expectativas e impressões alheias, e no caso de Paul Matthews, um professor, vai se alojando discretamente no imaginário de diferentes figuras; coadjuvante dos sonhos. Um meme encarnado.

Embora Bogli não queria deixar o filme mais sério do que parece, afinal, é uma piada reproduzindo um comportamento online, a escolha de Cage no papel principal prende a atenção para um argumento óbvio que se estende na própria abordagem. Nos seus últimos projetos, Cage tem topado papéis cada mais distintos que forma intencional ou não refletem o status de ator camaleão, e Dream Scenario é oportuno em colocar o astro como figura inofensiva no subconsciente de inúmeras pessoas, até esse surto coletivo partir da mera curiosidade para um Krueger “do mundo real”; ao menos na realidade virtual de viralização na internet. E mesmo tendo Cage se empenhando em um personagem sério em meio ao tom surrealista, o filme sofre para atingir o efeito cômico de sua tragicomédia consciente.

O bom exemplo disso é na sequência em que ele conhece uma agência que vê potencial no fenômeno que se tornou. A cena é fraca em criar uma situação desconfortável pelo humor, mas é ótima, ainda que óbvia, por espelhar rapidamente em Paul ser visto como um produto para engajamento. O fato de integrar os sonhos de pessoas que nem sequer conhece transita na ideia de como as pessoas viralizam uma figura anônima e a encaixa em diferentes narrativas. Sendo Paul um personagem que tem sua realidade sufocada, isso por existir no imaginário de desconhecidos, é ao ir contra as propostas que recebe que passa a se tornar o pesadelo das pessoas, ou seja, a experimentar a cultura do cancelamento no mundo real.

São nesses momentos que o surrealismo –  que mais parece um reforço ao estilo da A24 – e a tragicomédia consciente se misturam enquanto quer manter um olhar sério, isolado a Paul. Não diria que há um estudo de personagem porque Bogli brinca com vários tons para contar essa história, mas a ironia em torno do protagonista é um elemento que se mantém até na quebra de tom no ato final do filme. Ainda que Paul seja um fenômeno dos sonhos, sua busca por realização e sucesso se dá por outros motivos que vão além de só existir no imaginário, e sim de ser visto; reconhecido por um trabalho de uma vida. Em outras palavras, Bogli quer chamar atenção para o personagem que existe na sua crítica ao consumo virtual e cultura do cancelamento.

Não se sabe até quando o cineasta vai seguir cutucando reflexões para o tema, mas a inspiração na criação de Wes Craven foi tanta que o final usa a base de O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger e encontra um resultado extraído de Black Mirror na sua mistura de surrealismo e a realidade melancólico e existencialista do protagonista enquanto lança comentários para o que mais é tendência na web: a geração nutella, efeito manada e cultura do cancelamento quando não se é mais um meme.

O Homem dos Sonhos (Dream Scenario – EUA, 2023)
Direção: Kristoffer Bogli
Roteiro: Kristoffer Bogli
Elenco: Nicolas Cage, Lily Bird, Julianne Nicholson, Jessica Clement, Paula Boudreau, Tim Meadows, Dylan Baker, Dylan Gelula, Michael Cera, Kate Berlant
Duração: 101 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais