O Homem do Rio foi o primeiro filme lançado pela Les Productions Artistes Associés, a subsidiária francesa da United Artists, e agradou tanto que foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original (sem merecer). Enorme sucesso de bilheteria e, com o passar dos anos, um cult do “cinema para a família”, o longa é uma espécie de paródia distanciada das aventuras de James Bond e uma representação muitíssimo próxima das Aventuras de Tintim, especialmente do álbum O Ídolo Roubado / A Orelha Quebrada, de 1937.
A história é bastante simples. Uma das três peças de uma estátua indígena é roubada do Museu do Homem, em Paris. Em pouco tempo, vemos uma instigante movimentação acontecer para a captura dos bandidos e recuperação do artefato histórico, mas as coisas não saem como previsto. Partimos, então, de Paris e chegamos ao Rio de Janeiro, que é o primeiro ponto “internacional” da aventura, seguido de Petrópolis, Brasília e Manaus. As filmagens em externas no Brasil são deveras interessantes, trazendo imagens de um Distrito Federal ainda com cara de canteiro de obras e, como não podia deixar de ser, impressões colonialistas, exóticas e estereotipadas do Brasil e dos brasileiros, mas tudo com muito humor e uma boa abordagem investigativa e de suspense.
Nessa linha, o espectador cinéfilo tem imediatas lembranças de dois filmes de Alfred Hitchcock: Os 39 Degraus (1935) e Intriga Internacional (1959), ambos baseados em jornadas cheias de dificuldades de um herói não muito ciente do que estava fazendo. Nas mãos de Philippe de Broca, esta realidade mais séria e ameaçadora de Hitchcock se torna apenas uma nuance, mas está lá. A despeito do pouco uso de armas e maior foco na ação burlesca e na comédia de costumes, de valores ou na guerra dos sexos, o filme não se furta em mostrar algumas mortes e colocar o herói em verdadeiro apuro, situações que recebem na interpretação de um dos “musos” da Nouvelle Vague, Jean-Paul Belmondo, uma simpática e intensa figuração.
Assim como eu suas obras de inspiração, o roteiro de O Homem do Rio é ágil, fazendo os personagens deslocarem-se muitíssimo rápido de lugar para lugar, sempre com as estátuas roubadas em jogo, algo que, na reta final, descobrimos ser um inteligente McGuffin dos roteiristas, que fazem um intricado jogo de mistérios quanto ao tesouro dos indígenas e a maldição para quem ousasse se apossar dele, um cenário que com certeza deu a Steven Spielberg um grande número de ideias para as filmagens de Os Caçadores da Arca Perdida (1981).
Todavia, esses elementos mais despreocupados que o filme possui (o humor e a ação à la Tintim: sério, mas nem tanto) acabam sendo o seu próprio veneno. Por mais que o espectador entenda a proposta do enredo e o propósito comercial da obra, a passagem entre os blocos fílmicos vão deixando vazios que não são preenchidos, deixando alguns personagens pelo caminho apenas para que mais eventos marcantes na vida do herói e da mocinha (a belíssima e talentosa Françoise Dorléac) surgissem na tela. Além disso, o diretor se aproveitou da camada humorística e “não levada a sério” do filme para justificar o andamento forçado aqui e ali de determinadas cenas, situações parcialmente corrigidas pela montagem, mas que ainda incomodam, especialmente no início, com o sequestro de Agnès e a busca de Adrien; e no final, no bar da Lola, com toda aquela briga semelhante às “brigas de Saloon” do Western.
Falho em algumas passagens mas tremendamente divertido no todo, O Homem do Rio é um valioso exemplo de como o universo de Tintim pode ser trabalhado em filmes live-action sem necessariamente ter a figura do repórter topetudo em cena, além de uma oportunidade única de ver o encontro de alguns artistas tão marcantes na nova onda do cinema francês encenarem essa brincadeira de estereótipos sociais e cinematográficos de uma maneira simplesmente irresistível.
O Homem do Rio (L’homme de Rio) — Itália, França, 1964
Direção: Philippe de Broca
Roteiro: Jean-Paul Rappeneau, Ariane Mnouchkine, Daniel Boulanger, Philippe de Broca, Daniel Boulanger
Elenco: Jean-Paul Belmondo, Françoise Dorléac, Jean Servais, Roger Dumas, Daniel Ceccaldi, Milton Ribeiro, Ubiracy De Oliveira, Sabu Do Brasil, Adolfo Celi, Simone Renant, Hal Linden
Duração: 112 min.