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Crítica | O Homem da Terra: Holoceno

Isso é o que dá mexer numa história que não precisava ser mexida...

por Luiz Santiago
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Dez anos depois do lançamento de O Homem da Terra, o diretor Richard Schenkman se permitiu revisitar o Universo do homem Cro-Magnon vivendo em pleno século vinte; mas sem o roteiro sagaz de Jerome Bixby e sem o elenco diminuto e de alta qualidade que encontramos no primeiro filme, o resultado que o cineasta conseguiu foi imensamente inferior em comparação ao original. Nesta segunda jornada, o roteiro, que é assinado por Schenkman e Eric D. Wilkinson, foca exclusivamente na temática que tomou conta do último bloco de O Homem da Terra, onde John revelou que havia sido uma figura bíblica importante. Já naquele filme, essa revelação tem um imenso destaque e muitos sentimentos são feridos e muitas teorias são compartilhadas, porque esta é, de fato, uma revelação muito potente e polêmica para a maioria das sociedades ocidentais europeias ou colonizadas por europeus.

No entanto, o foco religioso que o roteiro deste segundo filme possui se perde em um drama fraco, ligado a jovens universitários que acabam descobrindo a verdadeira identidade de John. O ator David Lee Smith adota aqui uma composição de personagem mais cansada, algo que entendemos ser uma orientação da direção para que essa postura faça sentido diante da seguinte tese do roteiro: este homem é, na verdade, uma espécie de “avatar do Holoceno“. Ao fim do filme, numa sequência que é metade emocionante e metade pregação geológica, antropológica e ambientalista mal disfarçada, a tal tese se confirma e uma explicação — fraca, dispensável e insatisfatória — para o envelhecimento e diminuição do poder de cura e cicatrização de John nos é dada. À medida que o planeta se transforma, que o homem destrói o mundo que recebeu para viver, que envenena a comida, o ar, as águas e os animais, a Terra adentra a um novo momento constitutivo. O Antropoceno. Ou seja, o “avatar humano do Holoceno” não tem lugar nessa nova Era, e passa a perder sua força vital (conseguem perceber a poderosa e interessante premissa desperdiçada pelos roteiristas aqui?).

Do ponto de vista exclusivamente filosófico ou mesmo simbólico, esta é uma reflexão bonita. Gosto da ideia que é levantada pelo texto nesse momento, trazendo à tona um questionamento e uma série de discussões que conhecemos desde a Antiguidade Clássica, onde já se buscava explicações para os motivos da finitude humana e, junto a isso, sobre o sentido da vida. Entretanto, o filme não tem como principal objetivo dramático esse tipo de reflexão. O cerne do enredo é a construção de uma “caçada” que os alunos de John passam a fazer quando juntam os pontos e começam a acreditar — ou suspeitar muito fortemente — que ele seja, de verdade, um Homem das Cavernas vivendo em nosso tempo. A atuação do elenco jovem não é uma bomba atômica, mas também não chama a atenção em nada: todos são majoritariamente medíocres e possuem algumas raras cenas que merecem destaque e um par de cenas absolutamente vergonhosas. O mesmo vale para os diálogos, que são rasos, confusos em relação ao que querem atingir e não conseguem aproveitar a preciosa premissa em favor do filme, dando atenção a um drama de mistério que não chega a lugar algum — ou melhor, chega a um cliffhanger clichê, abrindo as portas para um possível crescimento da franquia num rumo que descaracteriza totalmente o original.

É visível que esta obra teve um orçamento muito maior que o do primeiro filme, mas isso não resultou em uma produção mais cuidada em termos estéticos, com exceção, talvez, da direção de arte, especialmente na casa de John e sua namorada. A fotografia é a mais básica possível, sem um único momento que mereça aplausos; e a direção segue o caminho do piloto automático, o que parece um absurdo se a gente pensar que Schenkman conseguiu algo excelente no primeiro filme e com menos espaço de movimento. Aqui, como toda a abertura possível, ele se mantém na superfície, mesmo em cenas que mereciam uma composição e um ritmo interno dos quadros bem mais criteriosa, como o bloco de John no porão com o jovem Philip (Sterling Knight). Essa sequência, aliás, concentra toda a alma da película, em seu foco no aspecto religioso. Parte dos diálogos ali são interessantes, mas os roteiristas não parecem interessados em aprofundar nada. Quando as discussões começam a ficar notáveis e flertar com o estilo de abordagem de Jerome Bixby, um corte narrativo acontece e o assunto vai para outro caminho. Um potencial progressivamente desperdiçado.

Continuações de filmes podem ser bastante problemáticas e vergonhosas. É verdade que temos a sorte de encontrar, na História do cinema, exceções a esse tipo de tragédia, mas é algo que a gente já espera, não é mesmo? Creio que isso fica ainda mais forte quando a continuação é para um filme que foi encerrado de modo coeso e teve a sua mensagem construída, desenvolvida e encerrada com o nível necessário de mistério para passar na prova do tempo. Foi o caso de O Homem da Terra. Este Holoceno, portanto, dá um toque moderno a um enredo que não precisava desse toque; dá uma explicação precisa para uma condição que não deveria ser explicada precisamente; e abre caminho para um mistério barato que pode ganhar continuidade, agora flertando com dinâmicas de teoria da conspiração, casos arquivados e um “cérebro do mal” por trás de assassinatos terríveis. Vejam o pulo horrendo e desnecessário que essa duologia deu, de sua premissa original, para o fim de sua continuação.

O Homem da Terra: Holoceno (The Man from Earth: Holocene) — EUA, 2017
Direção: Richard Schenkman
Roteiro: Richard Schenkman, Eric D. Wilkinson (baseado no conceito de Jerome Bixby)
Elenco: David Lee Smith, Doug Haley, Davi Santos, Vanessa Williams, Akemi Look, Brittany Curran, Matt Weaver, Carlos Knight, Sterling Knight, John Billingsley, Michael Dorn, William Katt, Shannon Welles, Ricky Crawford
Duração: 98 min.

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