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Crítica | O Hobbit, de J. R. R. Tolkien

Uma grande aventura.

por Kevin Rick
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É difícil encontrar obras com um legado tão gigantesco quanto o de O Hobbit, passando por seu impacto na literatura, nos gêneros de fantasia e aventura, na criação e desenvolvimento de diversos clichês e arquétipos que são usados em narrativas da Jornada do Herói até hoje, e, claro, sua sequência ainda mais grandiosa na trilogia de O Senhor dos Anéis. O que o autor J.R.R. Tolkien alcançou com seu livro de 1937 não pode ser quantificado, mas, curiosamente, como nos é informado no prefácio da obra, a Terra Média nasceu de uma forma extremamente simples de criar histórias: um pai contando lendas e mitos para seus filhos.

É possível sentir essa causalidade na prosa de Tolkien e na estrutura episódica do livro, com uma espécie de narrador onisciente descrevendo as diversas aventuras de Bilbo Bolseiro, o hobbit do título (um ser baixinho e de pés peludos), que sai numa grande jornada com o Mago Gandalf e 13 anões para enfrentar o Dragão Smaug e recuperar o tesouro e o castelo do povo anão que foram tomados pela criatura. A maneira como o autor inglês escreve é bastante reminiscente de fábulas e contos-de-fadas, descrevendo seu mundo, suas figuras fantásticas e nos fazendo imaginar cada aspecto deste universo, como se os leitores fossem seus filhos descobrindo a Terra Média através de suas palavras.

Nesse sentido, nota-se uma leveza infantil em O Hobbit, com características narrativas e de prosa que procuram mais um deslumbramento com a criatividade da mitologia e uma sensação pura de aventura do que necessariamente uma história bem encorpada e dramática. Assim, o livro é bastante diferente da grandiosidade e do tom épico de Bem vs Mal de O Senhor dos Anéis, com o prelúdio de Tolkien assumindo uma abordagem mais simpática, diversos cenários cômicos e um enredo sem muitas pretensões.

Por um lado, isso traz uma sensação de falta de urgência ao decorrer da leitura, o que é potencializado no fraco clímax da obra com a batalha dos cinco exércitos, onde o conflito é mal estabelecido, acontece muito rapidamente e termina de forma anticlimática (incluindo desmaio do protagonista). É possível notar como Tolkien ainda não estava tão afiado ou tão concentrado nos elementos mais narrativos do livro (reviravoltas, arcos, convergência de tramas), e sim mais interessado em mitologia, algo percebido pelo seu foco em descrever a geografia, a natureza, as regiões e as diversas criaturas de seu universo, tudo com muita imaginação e diversas influências, como mitologia nórdica, eventos medievais, cristianismo (reforçado na grande batalha de bem vs mal de LotR) e muita poesia, algo visto pela própria abordagem poética do autor em diversos trechos e na inserção de muitas canções.

É por isso que, por outro lado, é difícil encontrar uma aventura mais genuína e charmosa que a de O Hobbit. É um livro com muitas situações divertidas e lúdicas, como a apresentação dos anões para Bilbo, comendo tudo na sua casa; a fuga dos personagens dentro de barris das prisões élficas; as diversas interações com Gandalf, que parece sempre estar tirando sarro dos pequeninos; e especialmente os desafios de charadas de Bilbo, tanto com Smaug quanto com Gollum (melhor parte do livro, na minha opinião). Tolkien leva muito jeito com rimas, jogos de palavras, enigmas e até piadas (não existe nada melhor do que o sarcasmo britânico), o que torna alguns diálogos impagáveis e as situações de advinhas até desafiadoras para o leitor.

Mas a melhor característica de Tolkien é a essência aventureira da obra. O autor nos leva pelas quests de Bilbo com muito encanto e naturalidade, sendo possível notar a paixão do artista por seu universo e personagens. Aliás, Tolkien em alguns momentos até enamora-se demais com os detalhes da Terra Média, mas é praticamente impossível não ficar deslumbrado pelos diversos cantos deste mundo e por suas figuras inesquecíveis, até mesmo as que ficam conosco por apenas um ou dois capítulos como Smaug, Gollum e Beorn.

Apesar de episódico, a aventura de Bilbo tem boa progressão sequencial, mas é incrível como cada “episódio” tem um sabor diferente (fugas; enigmas; batalhas; roubos), e a maneira como pinta um quadro completo da diversidade de cenários e territórios da Terra Média. Até mesmo objetos ganham uma atenção especial, passando pela espada de Bilbo, a Pedra Arken, e, claro, o Anel. É, sem dúvidas, uma das melhores histórias de mitologia da Literatura.

Bilbo é a peça essencial para fazer a aventura funcionar com tanta autenticidade e simpatia. Tolkien foi muito inteligente em escolher um protagonista ordinário, pequenino e sem muitas qualidades visíveis, quase um espelho do leitor e de crianças também. Ele não é seu típico herói, o que torna sua interpretação da aventura tão identificável, pois o personagem está descobrindo aquele mundo como nós, está desbravando as aventuras com a gente, com Tolkien se aproveitando muito bem de clichês da Jornada do Herói como crescimento pessoal, coragem e bravura, honra e senso de dever para construir o arco do protagonista. Nesse sentido, o Anel é até uma alegoria para dar a Bilbo a oportunidade de revelar sua valentia e principalmente sua astúcia (adoro como muitas situações fantásticas são revolvidas com lógica e senso comum), ainda que o objeto também traga a discussão sobre ganância, um dos temas centrais de Tolkien.

Se O Hobbit é um dos melhores e mais puros livros de fantasia e aventura de todos os tempos, então Bilbo é um dos melhores protagonistas desses gêneros. Vejo alguns defeitos no livro, principalmente em termos narrativos e no desfecho, e não acredito que a obra seja uma grande obra-prima, mas é tão difícil não se divertir e não se apaixonar lendo o grande trabalho de ficção de Tolkien. Seja pelo lado da simplicidade e a natureza leve da história e dos capítulos de quests, seja pela criatividade lendária do autor para mitologia e construção de mundo, temos uma das leituras mais especiais e clássicas que a Literatura já nos presenteou.

O Hobbit (The Hobbit, or There and Back Again – Reino Unido, 1937)
Autor: J. R. R. Tolkien
Editora original: George Allen & Unwin
Editora no Brasil: Harper Collins (Brasil)
Páginas: 333

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