O que eu posso falar de A Desolação de Smaug que eu já não tenha escrito em meus comentários sobre Uma Jornada Inesperada? Vendo a segunda parte da gigantesca saga de Bilbo, senti-me literalmente enganado, ludibriado e atraído para uma armadilha que, assim como Gandalf (Ian McKellen) diz em determinado momento, era óbvio que era uma armadilha.
Mais uma vez, temos um filme inchado que é tão pesado quanto o dragão que os anões querem expulsar de sua cidade natal. Cada sequência tem visivelmente o dobro – às vezes o triplo – da duração que deveria ter. E, dessa vez, Peter Jackson ainda sacoleja sua câmera para todo lado, criando ângulos impossíveis a todo tempo como se estivesse brincando, experimentando um brinquedo novo pela primeira vez. E isso sem contar com a quantidade gigantesca de vezes que ele usa o 3D da maneira mais rasteira possível, com flechas vindo em nossa direção, abelhas gigantes se aproximando e coisas desse tipo que nem mesmo, hoje em dia, o mais simplório dos diretores faz.
Mas tudo em nome da ganância não é mesmo? Tudo em nome de esticar tanto um livro simples e de tom jovial e leve em uma saga lúgubre, pesada e redudante, sem que haja um verdadeiro impulso à história. Esse parece ser o triste fim de uma adaptação que tinha tudo para ser sensacional, mas que olhos com enormes cifrões tiveram que transformar em um monstro balofo de algo como nove horas de duração.
A narrativa começa do ponto onde Uma Jornada Inesperada parou. Na verdade, começa antes, em um flashback que serve para mostrar o primeiro encontro entre Gandalf e Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage) no Pônei Saltitante (em mais uma referência dolorosamente evidente de A Sociedade do Anel). Diferente do flashback de abertura do primeiro filme, que mostra a glória e a queda de Erebor, o que vemos é um diálogo completamente inútil, que não acrescenta absolutamente nada de essencial à trama. Corta para 12 meses depois, no presente, com Bilbo (Martin Freeman), Galdalf e os 13 anões fugindo de Azog (Manu Bennett) e sua turminha de orcs.
Eles correm e correm, são capturados por aranhas e Bilbo, graças ao anel, salva todo mundo. Correm mais um pouco e elfos da Floresta das Trevas capturam todo mundo, mas Bilbo, graças ao anel, salva todo mundo. Começaram a perceber um padrão? Pois é, mas o padrão poderia até ser interessante não fosse a duração absurdamente excessiva de cada uma dessas sequências. Com as aranhas, temos que ver elas enrolarem cada um dos anões em sua teia, ouvi-las conversar animadas sobre o quão carnudos os baixinhos são e, em seguida, uma enorme luta para se livrar delas. Na cidade dos elfos é a mesma coisa. Cena atrás de cena, vemos a história ficar parada de forma que Peter Jackson possa exercitar sua aparentemente infinita capacidade de colocar água no feijão. O resultado? Bem, todo mundo sabe que gosto tem uma feijoada aguada, não é mesmo?
Como parte dessa água, Jackson traz um nome adorado da trilogia original, Legolas (Orlando Bloom), que não aparece no livro, mas que é quase o personagem principal em A Desolação de Smaug, além de criar um interesse romântico élfico para ele, na figura de Tauriel, a comandante da guarda de seu reino, vivida por Evangeline Lilly (Lost), 100% inventada para esse filme. A troca de olhares lânguidos entre os dois e o flerte dela com Kili (Aidan Turner) são de fazer rolar os olhos.
E isso porque todo os personagens, logo antes desses acontecimentos, passaram por uma completamente desnecessária sequência envolvendo Beorn (Mikael Persbrandt), um homem que se transforma em urso. Ok, isso está no livro, mas essa é tipicamente uma cena que Peter Jackson teria cortado em sua versão mais modesta e menos cheia de si que existia antes do sucesso. Mas, como ele sabiamente tirou Tom Bombadil da trilogia original e precisava enrolar bastante, a inclusão de Beorn deve ter sido uma decisão fácil. Até estranhei que não houve um encontro de Beorn com Bombadil ou um flashback contando a trágica história do povo de Beorn…
No entanto, se o espectador acha que, depois da fuga do reino dos elfos, o filme engrena, pode esperar sentado. Peter Jackson faz questão de repetir cenas de seus filmes mais bem sucedidos, como o envenenamento por uma flecha de Morgul e a cura pela athelas, a mesma erva daninha que Aragorn usa em A Sociedade do Anel, com direito a semblante brilhante de elfa e palavras mágicas. O problema é que não sentimos urgência e perigo verdadeiros. A fita é quase sem alma, levada adiante no automático.
Quando finalmente chegamos na Montanha Solitária e Bilbo vai procurar a Pedra Arken para o ganancioso e sovina Thorin, que não hesita em usar o coitado do hobbit, temos o tão esperado embate dele com Smaug. E, nesse momento, há, novamente, a reunião entre o Dr. Watson e Sherlock Holmes, o primeiro vivido por Freeman e o segundo por Benedict Cumberbatch na série da BBC. Mas a voz de Cumberbatch foi bem modificada para o filme e a sequência, não tão longa assim no livro, toma uma gigantesca parte da projeção, como perseguições infindáveis nas enormes galerias de Erebor e um plano incrivelmente estúpido de Thorin para acabar com a ameaça flamejante.
E, exatamente como uma série de televisão, tudo acaba em um cliffhanger que Peter Jackson joga lá sem dó nem piedade, tornando todo o filme uma grande farsa sem resolução, daquelas que, quando a tela fica preta, todo mundo se entreolha e pergunta se já acabou e lá dentro fica bem irritado com o que aconteceu, mesmo que sejam fãs cegos de qualquer coisa que Jackson filme e que se passe na Terra-Média.
Sim, A Desolação de Smaug é o “filme do meio” e, como tal, tem em si embutido um problema de nascença. Mas compare o final de As Duas Torres com o de A Desolação de Smaug: enquanto no primeiro um ciclo se encerra, no segundo fica simplesmente evidente que o diretor não tinha mais o que contar no terceiro filme e deixou o clímax do segundo acontecer no terceiro, forçando a espera de mais um ano. É a certeza de que nós, espectadores, entregaremos nosso ouro para os cofres da produtora que, nesse momento, deve estar com os já falados cifrões nos olhos.
Estou reclamando demais? Pode ser. Mas, infelizmente, é o que Peter Jackson fez com um material fonte maravihoso.
Mas tem coisa boa sim. E a primeira delas é uma melhoria substancial nos efeitos especiais. Enquanto que, no primeiro O Hobbit, havia diversas sequências com problemas no chroma-key, o mesmo não acontece com o segundo. É bem verdade que a maioria das sequências recheadas de efeitos se passa no escuro, o que facilita o trabalho dos especialistas, mas não dá para não ficar de queixo caído com a qualidade de Smaug e de toda a sequência em Erebor. As dimensões do lugar consegue transformar o dragão em um ratinho e o dragão, por sua vez, se agiganta diante de Bilbo e dos anões. A movimentação do monstrão também, como um misto de lagarto, dinossauro e morcego, é bastante original e extremamente eficiente para conjurar o tamanho do poder e da ameaça que Smaug representa.
Outra sequência cheia de efeitos particularmente inspirada é a fuga dos anões dentro dos barris. Jackson obviamente alterou quase que completamente o que podemos ler no livro, mas o resultado é cinematograficamente interessante e muito bem montado, com a ação alternando entre os anões, os orcs e os elfos, cada grupo muito bem caracterizado e separado, sem permitir confusão. Claro que é mais um exemplo de sequência pelo menos duas vezes mais longa do que deveria ser, mas se eu for rechaçar comentários positivos sobre qualquer sequência assim, eu só poderei falar do momento em que o título do filme aparece na tela…
Em termos musicais, se a trilha de Howard Shore já não estava inspirada no primeiro filme, ela não melhora em nada no segundo, se é que não piora. Ele não cria nada novo, apenas rearranja melodias familiares que caracterizam os elfos e os hobbits para momentos chave da fita e seu uso esparso demais ao longo das três horas de projeção acaba eliminando qualquer efeito de majestade que o trabalho de Shore poderia ter.
A Desolação de Smaug é uma enganação, uma enrolação completa. Um filme inchado e opulento ao ponto de ser chato mesmo. Muito bonito, sem dúvida, mas, mesmo assim, nada mais do que uma mera sombra do que poderia ter sido.
Sobre a projeção em 48 quadros por segundo
Não irei cair na repetição e dizer novamente tudo o que já foi dito na crítica de Uma Jornada Inesperada sobre os detalhes da tecnologia HFR.
Como vimos no primeiro filme, desde o início da projeção temos a impressão de uma cena acelerada, que causa um constante desconforto para o espectador. A sensação é de estar vendo um game ou uma filmagem amadora. Essa característica acaba por prejudicar ainda mais a imersão no longa, um problema que já é uma constante em A Desolação de Smaug.
Além disso, diversas cenas noturnas ganham uma iluminação quase que sobrenatural, ainda que nada gritante como na cena entre Bilbo e Gollum no primeiro filme.
Esses dois elementos negativos não são facilmente colocados de lado, mesmo com a exuberância dos cenários seja ressaltado pela tecnologia em questão.
Assistir A Desolação de Smaug em 48 quadros por segundo torna uma experiência lenta e penosa em algo ainda mais cansativo, na qual sua visão irá, provavelmente, implorar por um descanso. Não vale sequer a título de curiosidade.
O Hobbit: A Desolação de Smaug (The Hobbit: The Desolation of Smaug, EUA/ Nova Zelândia – 2013)
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh, Phillipa Boyens, Guillermo del Toro
Elenco: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Ken Stott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Dean O’Gorman, Aidan Turner, John Callen, Peter Hambleton, Jed Brophy, Mark Hadlow, Adam Brown, Ian Holm, Sylvester McCoy, Manu Bennett, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Lee Pace, Benedict Cumberbatch, Mikael Persbrandt, Luke Evans, Stephen Fry
Duração: 161 min.