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Crítica | O Grande Mestre Beberrão (1966)

Um clássico wuxia muito querido.

por Luiz Santiago
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A realização de filmes do gênero wuxia data de, pelo menos, 1928, quando Shichuan Zhang começou a cinessérie O Incêndio do Mosteiro da Lótus Vermelha, lançada em 19 partes, até 1931, e tendo um total de 27 horas de duração, das quais, infelizmente, apenas fotogramas, material de imprensa e algumas fotografias de bastidores sobreviveram ao tempo. Ali, porém, estavam plantadas as sementes de um tipo de produção que é, em uma palavra, encantadora. Películas que representam “heróis de artes marciais“, as wuxia derivam da literatura e tornaram-se muito famosas no Ocidente por volta dos anos 1960, dentre outros motivos, por mostrarem um tipo de enredo com o qual o público não estava acostumado, especialmente quando falamos das lutas de espadas e técnicas de kung-fu em aventuras que se passam num passado histórico da China e que incluem doses de fantasia e até misticismo em seu enredo.

O Grande Mestre Beberrão (1966) é um dos títulos mais queridos dentre os clássicos desse gênero; um dos primeiros representantes que se sagraram com sucesso de público e crítica. Este foi o primeiro grande fruto maduro colhido pelo Shaw Brothers Studio, de Hong Kong, que a partir de Templo da Lótus Vermelha (Teng-Hung Hsu, 1965), o primeiro wuxia colorido, iniciou um projeto cuidadoso e rentável de produções que marcariam para sempre a história da então colônia britânica que conseguiu movimentar bem o cinema regional em oposição à China maoísta (comunista), com qual rompeu relações diplomáticas em 1951, retornando ao seio pátrio apenas em 1997. Em uma leitura social, é possível imaginar que um dos impulsos artísticos daquele momento foi justamente o conflito político China-Hong Kong que deu combustível necessário para que o cinema da colônia gerasse obras que exibiam, de um lado, o realismo de um território assolado por bandidos aproveitadores, injustos e assassinos (com a cobertura temporal de “acontecer no passado“, muitas vezes na Dinastia Ming; 1368-1644); e de outro, a fantasia que abraça pessoas honestas, trabalhadoras e impossivelmente hábeis naquilo que fazem, procurando tornar o mundo um lugar melhor ao punir os bandidos.

Assim como os chanbara japoneses, os wuxia chineses possuem um forte apelo à justiça social e utilizam de uma linguagem que envolve poesia, natureza, forças “inexplicáveis” e grande habilidade de luta e/ou uso de armas (leia-se “qualquer coisa que possa ser utilizada como arma“) para demonstrar o trabalho do protagonista, o herói do conto. Aqui, este papel é assumido por uma muito jovem Pei-Pei Cheng (Andorinha Dourada), apesar de o título da obra, inclusive o original, fazer referência ao Beberrão — muito bem interpretado por Hua Yueh. O enredo é bem simples, mas acreditem: não há necessidade de mais. A busca da Andorinha Dourada, a prisão de seu irmão pelos bandidos e a trama de troca de prisioneiros é o bastante, até porque, no bloco final, um drama adicional bem curioso é adicionado, contando a história do Mestre Beberrão e do Abade, que serviram ao mesmo mestre, mas partiram em direções opostas por motivos muito sérios. Apesar do despojamento, o texto de Shan-Hsi Ting e King Hu (que também assina a direção) arquiteta os eventos de um modo tão chamativo, utilizando a riqueza das imagens a seu favor e aproveitando o máximo de recursos para destacar as lutas, que o filme parece bem mais curto e bem mais “complexo” do que realmente é.

Talvez seja covardia apontar como um dos lados negativos a pouco escrupulosa coreografia de lutas, mas não há como fugir: temos realmente um problema de movimentos aqui, especialmente na interessante, mas um pouco anticlimática, batalha entre o Abade e o Beberrão. Com uma montagem melhor, todavia, não teríamos no movimento dos atores um impasse tão grande. O fato é que a montagem de Hsing-Lung Chiang aparece truncada em inúmeras cenas que exigiam esmero no encadeamento (por exemplo, as que trabalham com objetos pequenos, como dardos, moedas ou adagas), e em sequências mais sérias e decisivas, como as três batalhas finais, que vão ficando progressivamente desinteressantes. O filme, no entanto, não perde o seu charme. Impossível ignorar a fotografia de Tadashi Nishimoto, as cenas na cachoeira, no templo ou dentro da taverna. Também merece destaque a direção de King Hu na primeira demonstração das habilidades do Mestre Beberrão e na interação dele com a Andorinha, após ela ser infectada pelo dardo do Tigre de Jade. Momentos visualmente belos e dramaticamente excitantes não faltam em O Grande Mestre Beberrão, por isso não é difícil entender o carinho que o público tem para com ele. É mesmo um wuxia adorável, que infelizmente sofre nas mãos da montagem e da coreografia, mas, em uma frase simples, consegue facilmente encantar a qualquer um.

O Grande Mestre Beberrão (大醉侠 / Da zui xia / Come Drink with Me) — Hong Kong, 1966
Direção: King Hu
Roteiro: King Hu, Shan-Hsi Ting
Elenco: Pei-Pei Cheng, Hua Yueh, Chih-Ching Yang, Hung-Lieh Chen, Ying-Chieh Han, Lao Shen, Chien Chuan Lin, Feng Ku, Yunzhong Li, Chung Wang, Ying-Chi Kuan, Cheng Huang, Wei-Lieh Lan, Yi Feng, Siu-Tin Yuen, Li-Jen Ho
Duração: 91 min.

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