Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald

Crítica | O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald

Um sonho do outro lado da grama.

por Kevin Rick
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Lançado em 1925, O Grande Gatsby, escrito por F. Scott Fitzgerald, é considerado um “grande romance americano”. O termo é usado por acadêmicos estadunidenses para classificar um punhado de livros que consideram historicamente importantes para os EUA, pois são obras que trazem retratos de períodos marcantes do país e representam a “essência” americana. É um termo pouco importante, sem caráter oficial ou sequer consenso para qual obra se enquadraria neste “grupo”, e que por isso tem caído em desuso, mas resolvi citá-lo porque representa muito bem a obra de Fitzgerald.

A narrativa se passa durante um período de prosperidade econômica na década de 20 em várias metrópoles do mundo todo, conhecido como Roaring Twenties. É uma época de mudança do estilo de vida da alta sociedade, com muita extravagância, excessos materialistas, crescimento industrial e a substituição da moral conservadora pela busca do prazer. É o mundo (dos ricos) pós-guerra mundial mergulhando no hedonismo, ao som da Era de Jazz e banhados no luxo da art déco. Assim como o período é marcado pela Lei Seca nos Estados Unidos, com a proibição de produção, transporte e venda de bebidas alcoólicas, levando o negócio para o meio ilícito.

Fitzgerald é simplesmente genial na maneira que faz a representação destes elementos históricos da época. A prosa do autor tem um sabor festivo, descrevendo comemorações e bailes com uma descrição charmosa e divertida. Ele escreve elegantemente, mas sem ser prolixo ou cansativo. Me peguei facilmente imaginando as mansões e salas luxuosas com mulheres jovens dançando ao som de jazz, vestidas com saias curtas e segurando taças de martini. Também existe algo sexualmente provocativo em sua escrita (ainda que sem passagens explícitas), seja o teor erótico em muitos diálogos, seja a sutileza com que fala sobre diferentes orientações sexuais nas entrelinhas (especialmente com o personagem de Nick), para uma época extremamente intolerante.

Mas o bacana de O Grande Gatsby é que os excessos herméticos da classe alta são um chamariz para a verdadeira proposta. Os automóveis caros, as mansões gigantescas, o esboço das festas pomposas, criam uma atmosfera imaginária gostosa e deslumbrante, mas Fitzgerald está na verdade interessado na exploração do sonho americano, riqueza e hierarquia social deste meio. Para isso, o autor nos apresenta uma premissa simples, contando a história de Jay Gatsby, um milionário que ergueu sua própria fortuna através do contrabando de bebidas, em sua busca por Daisy Buchanan, uma jovem rica que ele amou em sua juventude, mas que não pôde se casar por ser um pobretão na época.

Gatsby idealiza Daisy como um troféu a ser alcançado. Ela é como um objeto impossível, conquistada através de poder, dinheiro e luxo. E por isso não gosto da interpretação de que este livro conta uma história de amor trágica, pois é muito cínica para essa caracterização. O Grande Gatsby é sim uma histórica trágica, mas sobre um desejo inalcançável ou no mínimo falso, chamada “sonho americano”. Fitzgerald tem uma abordagem extremamente simbólica nesse sentido, com Daisy sendo a personificação dessa meta aos olhos de Gatsby, assim como a “luz verde” no final do cais de Daisy é uma imagem recorrente que acena para o senso de ambição do protagonista. Há outros momentos alusivos inteligentes, como o contraste entre West Egg e East Egg, duas partes territoriais separadas pelas famílias ricas tradicionais e os milionários que criaram suas fortunas – bacana como Fitzgerald leva a ideia de hierarquia para além do simples rico vs pobre -, como também as sutis passagens sobre a Proibição, “escondidas” em plena vista no livro assim como à época.

No entanto, o melhor artifício narrativo de Fitzgerald é Nick Carraway. O personagem é o modesto vizinho de Gatsby, e lemos todo o livro através de seus olhos e narração em primeira pessoa. O escritor utiliza Nick como um guia quase autobiográfico, como se o próprio Fitzgerald estivesse nos contando a história “por dentro” (interessante mencionar que o livro é inspirado em experiências do próprio autor), transformando Gatsby em uma espécie de mito. Essa construção mistificada de Gatsby que já começa no título vai sendo lentamente descontruída ao passo que Nick se torna mais próximo dele e a narrativa descama os traumas, a hipocrisia e a superficialidade desta falsa lenda, ao mesmo tempo que as festas dão espaço para jantares constrangedores, dissimulação dos ricaços, machismo, indiferença e morte. Como disse, os fogos de artifício da vida endinheirada são apenas um chamariz, uma camuflagem para um cerne podre.

Não acho que o livro seja uma obra-prima como muitos o classificam, pois é narrativamente repetitivo em muitas situações, conversas e ações similares, principalmente os vários trechos de obsessão de Nick com Gatsby (e por isso o menor número de páginas beneficia a leitura) e não gosto da falta de desenvolvimento do próprio Nick, mais narrador do que personagem, apesar de, como disse anteriormente, apreciar seu papel de fio condutor da trama; só não precisava ser só isso na história. No entanto, sem dúvidas é um grande romance americano na sua representação dos excessos da época, aos poucos puxando a cortina deste mundo para se mostrar um livro intimista.

F. Scott Fitzgerald é um escritor inteligentemente simbólico e que entende como construir cenários dramáticos (o clímax do livro é um primor de tensão e reviravoltas orgânicas). Aliás, o autor tem uma característica extremamente teatral na maneira que descreve seus locais com sua prosa detalhista e elegante, criando um espaço cênico na imaginação do leitor, com muitas altercações diretas e diálogos ríspidos dos seus personagens. Também divergindo com cuidado entre tons, seja o primeiro ato festivo, lúdico e mistificado da alta sociedade, seja o ato final melancólico e pessoal. Sem dúvidas trágico, mas não espere encontrar romance e amor aqui; apenas o velho e bom “dinheiro não traz felicidade” como catarse.

O Grande Gatsby (The Great Gatsby) — EUA, 1925
Autor: F. Scott Fitzgerald
Editora original: Charles Scribner’s Sons
Edição lida para esta crítica: Editora Principis
Tradução: Bruno Amorim
176 páginas

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