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Crítica | O Gato Que Amava Livros, de Sosuke Natsukawa

O poder da literatura.

por Luiz Santiago
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Sosuke Natsukawa transitou habilmente da medicina para a escrita, estabelecendo uma sólida carreira literária que teve início em 2009, com Os Registros Médicos de Deus, série de livros que foi adaptada para o cinema em 2011, no Japão. O Gato Que Amava Livros (2017) foi o seu quinto volume publicado, mas o primeiro fora do contexto dos Registros Médicos. A obra integra um subgênero — ou abordagem literária — que nestes anos iniciais da década de 2020 está sendo chamada de “literatura de cura” (healing literature). Numa definição simples, o subgênero engloba livros com tramas leves e inspiradoras, ambientadas em lugares acolhedores como bibliotecas, cafés e pequenas lojas. Majoritariamente de origem sul-coreana ou japonesa, nesta fase inicial de popularização, essas histórias tendem a ser delicadas e tranquilas, incentivando os leitores a encarar a vida de maneira mais positiva e a apreciar os pequenos momentos. Os personagens enfrentam desafios, passam por transformações e emergem da experiência com novas perspectivas, energia e, principalmente, esperança.

O protagonista de O Gato Que Amava Livros é Rintaro Natsuki, um estudante do Ensino Médio que acabou de perder o avô, proprietário de uma livraria que Rintaro amava, e onde passou boa parte de sua vida lendo e bebendo chá. Embora o livro não seja uma jornada de entendimento do luto, o autor explora a ausência e a tristeza a tiracolo, à medida que insere o jovem num ambiente fantástico, guiado por um gato malhado chamado Tigre (que serve como “guia espiritual” ou “voz interior-exterior“) e com visitas a labirintos literários onde ele precisa salvar livros e pessoas em sofrimento ou vício. Em seu aspecto fantástico a obra funciona um pouco menos, porque o autor tem dificuldade de firmar com fluidez o lado “inexplicável” dos eventos, especialmente quando as aventuras nos labirintos chegam ao fim o protagonista simplesmente volta à livraria “num clarão“, “como se fosse um sonho“. É uma escolha bem preguiçosa.

Por outro lado, as visitas realizadas pelo personagem (posteriormente acompanhado de uma garota de quem ele gosta) servem como reafirmação de sua coragem e vontade interiores, como ingredientes para que entenda o seu atual momento de vida, supere a perda do avô e dê sentido ao legado deixado pelo velho, tanto o físico (a livraria) quanto o intelectual e sentimental (as lições de vida e o amor que dedicava ao neto). O aprendizado de Rintaro me lembrou bastante as viagens do Pequeno Príncipe pelos planetas, antes de chegar à Terra. De certa forma, esta é uma caminhada de reflexão sobre o hábito da leitura, sobre a nossa relação e a relação do mercado com os livros, e as ideias que temos sobre metas anuais e obrigações que colocamos em nós mesmos frente ao hábito da leitura.

Em sua “jornada de herói literário“, Rintaro liberta livros aprisionados em estantes na casa de um crítico; salva livros da destruição promovida por um pesquisador que tenta (literalmente) reduzir o tamanho dos volumes para que as “pessoas ocupadas” tenham tempo de ler; enfrenta o presidente de uma grande editora que joga fora os livros que não são mais procurados… e só publica coisas que aumentarão as margens de lucro; e reflete sobre as consequências de seus atos ao conversar com uma velha alma que foi distorcida pelo abandono e cinismo. E nesse caminho de libertação e identificação de problemas, o garoto começa a perceber que o destino de sua vida está mudando. Que as suas escolhas se alteraram. É aqui que entra a parte de coração quentinho trazida pelo livro, pois vemos as pontas narrativas se juntarem em um final que indica um estrelado caminho para o protagonista, mesmo que ainda tenha conflitos internos para resolver. A diferença é que agora ele não tem apenas os livros para lhe fazer companhia. E sabe que sempre que procurar, poderá encontrar a luz nesse novo lugar, dentro e fora de si.

O Gato Que Amava Livros (本を守ろうとする猫の話 / Hon o Mamoroutosuru Neko no Hanashi / The Cat Who Saved Books) — Japão, 2017
Autor: Sosuke Natsukawa
No Brasil: Editora Outro Planeta (selo da Editora Planeta) junho de 2022
Tradução: Fernanda Dias
242 páginas

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