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Crítica | O Fim do Mundo e O Beco do Arlequim, de Agatha Christie

Adeus, Mr. Quin.

por Luiz Santiago
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O presente compilado traz 2 contos do livro O Misterioso Mr. Quin, de Agatha Christie, publicado originalmente no Reino Unido em 1930. No Brasil, a coletânea já foi lançada pela Nova Fronteira, pela L&PM Pocket. Em 2022 (a edição mais recente em relação ao momento de escrita desta crítica, em setembro de 2023), saiu pela Harper Collins Brasil.

Neste livro, Agatha Christie, brincou com figuras bastante caras a ela desde a sua infância: Arlequim, Pierrô e Colombina, fazendo joguinhos de mistério centrados na figura do Sr. Quin (que é uma alusão, claro, ao Arlequim). A versão que a autora resolveu personificar em seu livro é a da abordagem inglesa para o personagem, que surgiu na Commedia Dell’arte italiana do século XVI. Nesta versão, o Arlequim tem poderes mágicos e traz mudanças de cenário com um toque de comédia. Ele se veste de maneira peculiar e consegue manipular o jogo nos cenários onde surge. Além dele, outra figura de destaque é a do Sr. Satterthwaite, um observador arguto que adora bisbilhotar a vida alheia e fica impressionado quando encontra o Sr. Quin.

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O Fim do Mundo

The World’s End é o penúltimo conto de O Misterioso Mr. Quin, e traz uma das mais bem construídas ambientações dentre os contos que compõem o livro. No início da história, o Sr. Satterthwaite está na Córsega, com a Duquesa de Leith, uma verdadeira “mão-de-vaca”. Durante uma refeição, a tal duquesa avista sua prima, Naomi Carlton Smith, uma jovem artista de modos rudes e semblante depressivo. Conta-se que a jovem se envolveu com um dramaturgo que, no ano anterior, foi acusado de roubar joias… e acabou preso. O Sr. Satterthwaite gosta da arte de Naomi e compra um desenho dela. Por iniciativa da duquesa, marca-se um piquenique para o dia seguinte. E é durante esse evento realizado em grupo que Mr. Quin entra em cena e traz consigo a situação que abalará a todos. O incomum mistério do conto.

O título “O Fim do Mundo” refere-se ao apelido que Naomi dá à propriedade no topo de uma montanha onde o piquenique deve acontecer. Eu gosto bastante de toda a atmosfera desse enredo, desde a mudança de ares que temos na primeira parte, até o ponto mais gélido e sombrio que se dá do meio para o final da narrativa. Essas condições de tempo, inclusive, acabam refletindo o estado de espírito de Naomi, que a autora indica claramente que está com planos de se suicidar — e pelo que é dito, o fato de seu amado estar preso é o grande motivo desse plano. Como vimos outras vezes nessa coletânea, a função de Mr. Quin aqui é garantir que a justiça fosse finalmente aplicada. Há, é verdade, um distanciamento dramático e uma disparidade bem grande entre a primeira e a segunda parte da narrativa (o que pode incomodar muita gente), mas eu gostei tanto da construção de atmosferas quanto dos conflitos elencados, de modo que não consigo ver a aventura classificada com algo inferior a “muito boa“.

  • Publicado no Volume XIX, Número 6 da revista pulp estadunidense Flynn’s Weekly, em 20 de Novembro de 1926.

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O Beco do Arlequim

Eu não achei que terminaria Harlequin’s Lane achando a história tão sem graça, tão sem sentido e tão “desaproveitável” como de fato achei, para minha grande infelicidade. Conto de encerramento do livro O Misterioso Mr. Quin, esta trama começa após Satterthwaite aceitar um convite para ficar na casa de campo de um casal chamado Denham. Eles não fazem parte dos círculos habituais de amigos do ricaço, mas têm um apelo que o velho observador do comportamento humano não consegue resistir. Como eu frisei em diversas outras críticas deste livro, uma das coisas que mais me chama a atenção aqui é o fato de a autora construir atmosferas maravilhosas. E isso se aplica tanto ao conteúdo da história (e seu suspense) quanto à impressão e às emoções que o leitor pode ou deve sentir enquanto lê. Neste O Beco do Arlequim, isso está presente desde o início, e talvez foi essa impressão largamente positiva no começo que acabou elevando as minhas expectativas para algo que simplesmente… não veio.

A citação indireta da autora à Revolução Russa, aos comunistas e aos socialistas no mundo das artes foi algo que me chamou a atenção por estar o máximo possível livre de preconceitos ou simples invenções ideológicas, mesmo representando a visão de um personagem específico, um britânico com todos as barreiras que um indivíduo desta nação, nos anos 1920 ou 1930 poderia ter (e livros anteriores da autora, como Os Quatro Grandes, por exemplo, mostra que isso pode ser uma verdade bem incômoda). A linha artística, o amor não realizado no passado e o sofrimento emocional dos personagens são bem escritos, mas o encaminhamento dado a esses elementos simplesmente não anda! O bloco final do conto é um melodrama que enrola bastante, tenta até filosofar um tantinho sobre a essência dos relacionamentos, sacrifícios e mudança de vida, mas é tudo muito estéril, um pouco confuso e consideravelmente distante daquilo que víramos no início da história. Francamente, uma decepção.

  • Publicado na edição #241 da The Story-Teller (revista pulp do Reino Unido) em Maio de 1927.

O Misterioso Mr. Quin (The Mysterious Mr Quin) — Reino Unido, 14 de abril de 1930
Autora: Agatha Christie
Edição original: William Collins & Sons
Edição lida para esta crítica: Harper Collins Brasil, 2022
Tradução: Samir Machado de Machado
Arte da capa original: Thomas Derrick
290 páginas

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