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Crítica | O Fim do Mundo, de Joaquim Manuel de Macedo

A história de um cometa destruidor.

por Luiz Santiago
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O escritor carioca  Joaquim Manuel de Macedo é constantemente lembrado pelo seu romance A Moreninha (1844), considerado o primeiro romance romântico brasileiro. O peso dessa nomeação é tão grande, para o autor, que mesmo entre as pessoas que gostam muito de literatura brasileira, não é muito alto o número de quem tenha lido algumas de suas obras para além dessa principal produção. Eu, por exemplo, só cheguei ao conto O Fim do Mundo (originalmente publicado no Jornal do Commercio em 13 de agosto de 1857) por conta de uma pesquisa sobre o fantástico e a ficção científica em nossas terras, procurando complementar as obras envolvendo corpos celestes (mais especificamente a Lua) que estiveram entre as minhas leituras em 2021. Embora esse conto acabe não sendo realmente um sci-fi — é, na realidade, uma fantasia, mas com elementos de ficção científica — e a Lua seja apenas uma coadjuvante no enredo, foi muitíssimo interessante ler uma produção nacional com essa abordagem datada de meados do século XIX.

O impulso de Macedo para a escrita do conto veio de uma das muitas histórias de “fim de mundo” que rondaram o Brasil e o mundo ao longo do tempo. Desta vez, a causa do apocalipse seria o cometa apelidado de “Carlos V” ou “Grande Cometa de 1556” (cuja designação oficial é C/1556 D1). A junção de previsões astronômicas incorretas somadas a associações com o prognóstico fatal do Almanaque profético escrito pelo cônego de Liege, Matthieu Laensberg, gerou uma “febre do cometa” e um grande medo do tal “Carlos V“, que supostamente traria o ‘fim do mundo’. Em sua obra, Joaquim Manuel de Macedo brinca com essas previsões escatológicas, adicionando a elas algumas superstições nacionais e comportamentos de variados personagens, das mais diversas classes e áreas da cidade do Rio de Janeiro, naquele ano de 1857.

Os personagens do conto são baseados em pessoas reais, e até o próprio ator é colocado como um dos mortos pelo cometa, fazendo uma breve e cômica aparição na história. A narração é feita por um jovem chamado Martinho, inspirado no ator carioca Martinho Corrêa Vasquez, que segundo o próprio autor, era “muito conhecido e estimado no Rio de Janeiro“. É pelo ponto de vista desse ator que temos contato com tudo o que acontece nessa realidade. Nos primeiros capítulos, pouca coisa de interessante verdadeiramente ocorre. Saber como tudo começou e ter contato com as fantasiosas formas de escape do protagonista me fez lembrar — guardadas as devidas proporções — certos absurdos de Viagem à Lua: O Outro Mundo ou os Estados e Impérios da Lua e até mesmo de História Verdadeira. Na versão brasileira a [quase] “viagem à Lua” acontece cheia de ironia, com o narrador zombando da realidade econômica do país, do pouco dinheiro no bolso da população e dos juros altos dos bancos.

Até o retorno de Martinho ao solo, após a passagem do cometa, O Fim do Mundo é uma história simples, com muitos pontos cômicos dignos de nota (todos com elementos de crítica social), mas pouca coisa que realmente tornasse a história imensamente chamativa. Isso muda quando o protagonista põe novamente os pés no chão e passa a procurar pelos sobreviventes. A descrição do que ele encontra na cidade é aterradora, e o autor consegue capturar não apenas o peso da solidão desse indivíduo, como também o horror de estar cercado de cadáveres e de muita coisa derretida pelo intenso calor gerado pelo cometa. Aliás, é bastante macabro e medonho o fato de todos terem morrido cozinhados pelo calor. Trechos de um jornal que o protagonista encontra, numa redação, chega a nos tocar, pois marcam as últimas palavras de alguém que vinha acompanhando os eventos passo a passo, da aproximação do cometa até “a hora final” (difícil não fazer uma ponte através do tempo — novamente, guardadas as devidas proporções e o tipo de corpo celeste destruidor — e pensar no contexto de Melancolia, de Lars Von Trier).

Ao cabo de O Fim do Mundo, Joaquim Manuel de Macedo cria uma virada de expectativa que é clichê e tem cara de Deus Ex Machina, mas é perfeitamente aceitável se a gente analisar todo o contexto da obra. Esse final, inclusive, explica com exatidão o motivo dos absurdos encontrados na primeira parte do conto, e acaba dando um charme todo à história, pelas implicações que traz à realidade representada. O leitor encontrará aqui uma das primeiras aventuras de ficção científica costurada à fantasia na literatura brasileira, e verá como o autor de A Moreninha pensava a sociedade de seu tempo… de uma forma bem mais crítica e até bem mais cínica do que se imaginava.

O Fim do Mundo (Brasil, 1857)
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Edição lida para esta crítica: Ex! Editora, 28 de dezembro de 2016
Edição, capa e projeto gráfico: Samuel Cardeal
80 páginas

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