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Crítica | O Filme da Minha Vida (2017)

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

Baseado no livro Um Pai de Cinema (Un Padre de Película, 2010) do escritor chileno Antonio Skármeta, este terceiro longa-metragem de Selton Mello se passa nas Serras Gaúchas, no ano de 1963. Tony Terranova está voltando ao lar, após terminar a faculdade. Em voz off, ele nos apresenta de maneira muito bonita uma frase dita pelo pai sobre o início e o fim dos filmes, marcando desde então o lado metalinguístico da fita, que ganhará asas nas referências a obras como Amarcord (na temática familiar e amadurecimento do personagem principal) e Rio Vermelho (na fomentação do vilão), e no uso do próprio cinema como lugar de fuga e lugar de revelação. A sala escura de “cheia de mentiras” que, em alguns casos, esconde a verdade.

Voltando aos problemas familiares com caminhos inesperadamente complexos, assim como em Feliz Natal (2008), sua película de estreia, Selton Mello dirige e escreve o roteiro (ao lado de Marcelo Vindicato) para uma jornada de encontro de um personagem consigo mesmo e com o mundo. A ideia fixa de saber por que o pai foi embora sem deixar nenhum rastro e sem nenhuma justificativa, fará o jovem professor de francês viver momentos de angústia, dúvidas e peso na consciência por algo que ele nem sabe o que é, deixando que o passado e as lembranças dos momentos felizes ao lado do pai tire as cores e novidades do presente, inclusive retardando o flerte e posterior romance com Luna (Bruna Linzmeyer, que está bem a maior parte do tempo).

O roteiro é bastante eficiente ao erguer as nossas primeiras impressões de Tony e da maioria dos personagens da fita. Desejos, intenções e impulsos são resumidos com facilidade pelo texto e revelados em poucas frases, situações que, estabelecidas e não mantidas, nos levam para o primeiro grande problema da película, a deixa dessa boa linha de apresentação para um foco em personagens de linhas cômicas descabidas; para o escanteamento da mãe, sem espaço nenhum para crescer; para a má revelação da verdade sobre Petra, onde a personagem é negativizada e não tem respaldo narrativo dentro do próprio núcleo; e para o desvio de comportamento que o protagonista demonstra nas cenas finais, dando a impressão que existe um buraco de eventos não mostrados que permitiram a Tony se tornar confiante e marcar território de diversas formas, o oposto da timidez e contemplação que carregara até aquele momento.

A comicidade de Augusto, com sua vontade de conhecer uma “Zona” e perder a virgindade, só funciona em um momento específico da história e rapidamente nos satura. Isso tem menos a ver com o jovem ator João Prates e mais a ver com o roteiro, que avança desgovernadamente pela linha da mesma piada. Com esses momentos — e com a insistência do diretor em aplicar, mais do que deveria, planos de contexto em objetos do cenário ou pontos do ambiente natural — vemos subtraído o tempo de tela que a mãe, vivida com competência, mas sem o brilho que merecia, por Ondina Clais; de Petra, que poderia ter algo além da constante imagem sedutora da atriz Bia Arantes, cuja personagem fica sem nenhum desenvolvimento; de Nicolas (Vincent Cassel) mostrado como o bonzinho da história, que fez um belo sacrifício para não manchar o nome da mulher que amava; e do próprio Tony, que infelizmente não tem no ator Johnny Massaro uma interpretação que faça jus ao marcante personagem.

O crescendo de emoções pessoais e familiares do enredo nos faz compreender o amadurecimento do protagonista. Mesmo com Massaro tendo apenas a expressão de olhos arregalados e sorriso sacana, de canto de boca, para os momentos de alumbramento (e sim, seu olhar e sorriso caraterístico são muito bonitos, impactantes, marcando muito bem a personalidade de Tony); ou de carranca pensativa para todos os outros momentos, nós mergulhamos em sua mudança, que envolve o enfrentamento de diversos medos e inimigos, alguns de maneira lírica, mas com um encadeamento que parece faltar 10 minutos de filme; e outros de maneira viril, como os seus momentos cada vez mais próximos com as mulheres e o enfrentamento de Paco, que faz uma engraçada e muito bem pensada metáfora sobre a diferença entre o homem e o porco, coisa que só entenderemos de verdade no fim do filme.

A fotografia de Walter Carvalho é um espetáculo à parte. A escolha de suavização de cores para tornar mais aconchegante o cenário da cidade pequena e as representações de identidade em ambientes como a “Zona”, o cinema, a oficina/casa de Paco, a sala de aula e os vagões do trem são pontos de grande delicadeza e beleza visuais, abraçadas por uma edição inteligente, a cargo de Marcio Hashimoto, e pela trilha sonora de dois vieses: na boa orquestração Plínio Profeta e na escolha de canções licenciadas de Gustavo Montenegro, que ganham um tom imensamente descritivo em boa parte das cenas (e isso não é ruim aqui, pois são excelentes canções, além de serem bem utilizadas na fita), embora fosse interessante que houvessem menos momentos desse tipo e mais impacto através do roteiro ou da exposição dos fatos, o que exigiria maior fôlego da direção de Selton Mello, que é boa, mas não tão boa quanto em O Palhaço.

A memória de um filho sobre a vida com o pai, a saudade, o dilema de não saber o que aconteceu com uma pessoa que você tanto ama e a chegada de um estágio da vida onde é preciso enfrentar os próprios problemas e buscar os próprios caminhos são as lições bem conhecidas que O Filme da Minha Vida nos entrega. Trata-se de uma obra esteticamente aplaudível, com uma temática que cativa o  público por mostrar coisas que filhos e pais/parentes fizeram em algum momento da vida, mas com conflitos e personagens que não são explorados como deveriam. O filme vale a sessão. Mas devido a algumas escolhas do diretor, é certo que deixará muitos espectadores frustados em alguma medida.

O Filme da Minha Vida (Brasil, 2017)
Direção: Selton Mello
Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicato (baseado na obra de Antonio Skármeta)
Elenco: Vincent Cassel, Selton Mello, Bruna Linzmeyer, Bia Arantes, Johnny Massaro, Antonio Skármeta, Ondina Clais, Rolando Boldrin, Martha Nowill, João Prates, Erika Januza
Duração: 113 min.

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