O 27º álbum das aventuras de Asterix e Obelix e o terceiro integralmente feito por Albert Uderzo, mantém a qualidade de seu antecessor, A Odisseia de Asterix, revelando o esforço do desenhista em cuidar bem do roteiro depois de sua fraca estreia com O Grande Fosso. Como o título bem claramente indica, a história gira em torno de um suposto filho de Asterix, um bebê loiro que misteriosamente aparece na porta da choupana do pequeno gaulês, o que leva à procura por seus pais e, claro, uma fofocada geral na aldeia graças ao veneno de Naftalina.
Curiosamente, esse é o primeiro álbum da série em que a aventura vem a Asterix e não o contrário, com a dupla principal de personagens permanecendo quase que o tempo integral dentro de sua própria aldeia. E isso causa problemas à narrativa, logicamente, já que Uderzo é obrigado a usar artifícios repetitivos para justificar essa forma de abordar a história. Em primeiro lugar, ele estabelece, muito rapidamente que uma guarnição romana, sob a desculpa de fazer um censo, está a procura do bebê, algo que aprofunda o mistério, especialmente quando Brutus, filho adotivo de Júlio César (o que não é verdade histórica, vale lembrar), entra na jogada, com participação integral ao longo de toda a narrativa. Depois, para tornar a história engraçada e referenciar a super-força de Obelix que, como todos sabem, caiu em um caldeirão de poção mágica quando bebê, o pequeno “filho de Asterix” também é brindado com super-força, por meio de artifícios que funcionam bem e realmente geram bons momentos, como as portas de todas as cabanas serem arrebentadas pelo bebê.
O problema é que a guarnição misteriosa, por ordem de Brutus, usa duas vezes o mesmo expediente para tentar sequestrar o bebê debaixo dos bigodes de Asterix e Obelix: primeiro, manda um legionário disfarçado de mascate gaulês vendedor de chocalhos e, depois, um centurião disfarçado de ama-de-leite. Claro que a super-força do bebê frustra as tentativas, já que ele gosta é de fazer humanos serem seus chocalhos, mas é estranho ver Asterix ser enganado tão facilmente por duas vezes, já que René Goscinny, por diversas vezes antes, já havia determinado que ele era normalmente o único a conseguir enxergar além de estratagemas romanos como esse.
E, como se isso não bastasse, no lugar de usar esses disfarces de maneira breve, o que, aí sim, poderia resultar em algo divertido, Uderzo protrai essas histórias ao máximo possível, empregando páginas e páginas para cada uma delas muito claramente com o objetivo de chegar ao tamanho regulamentar dos álbuns de Asterix, ou seja, 48 páginas. Não é que ele se perca e que não o humor leve não se mantenha, mas sim que a repetição cansa e denota falta de originalidade, além de tratar Asterix diferentemente do que estávamos acostumados.
Por outro lado, é refrescante notar que, pela primeira vez em toda a série, a aldeia gaulesa é eficientemente atacada à distância pelos romanos, levando até mesmo à sua destruição total, com o envio das mulheres e crianças para a proteção da praia próxima. Essa escolha chega até mesmo a surpreender em termos narrativos, além de seu encaixe com os momentos finais em que a filiação do bebê é finalmente revelada ser muito bem feito, com Uderzo inclusive bebendo de rumores históricos não 100% consubstanciados, mas que fazem absoluto sentido, além de um particularmente fenomenal álbum anterior que não mencionarei para não dar spoilers desnecessários a quem porventura não tenha lido O Filho de Asterix.
Infelizmente, a partir do ano de 1983, Uderzo passaria a produzir novos álbuns de maneira muito intermitente, por vezes passando-se vários anos sem nada novo de Asterix a não ser animações e filmes. Com isso, O Filho de Asterix seria o penúltimo álbum novo dos anos 80 e marcaria o começo da sentida ausência da coleção das prateleiras do mundo dos quadrinhos.
O Filho de Asterix (Le fils d’Astérix, França – 1983)
Roteiro: Albert Uderzo (baseado em criação de René Goscinny e Albert Uderzo)
Arte: Albert Uderzo
Editora original: Les Éditions Albert René
Editora no Brasil: Editora Record
Páginas: 48