Home FilmesCríticas Crítica | O Favorito (2018)

Crítica | O Favorito (2018)

por Gabriel Carvalho
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“Haverá uma história amanhã sobre mim.”

Quando os políticos deixaram de ser políticos e se tornaram, por excelência, celebridades, passando a ocupar consideráveis espaços em tabloides, ao lado de outras personalidades famosas? As três semanas, na corrida eleitoral de 1988, separando o favorito à presidência nos Estados Unidos, Gary Hart (Hugh Jackman), da sua inesperada decadência, mediante um cenário absurdamente complicado deparado às pessoas a sua volta, evidenciam um mundo distinto de outrora, que agora se preocupava com o que determinado candidato andava comendo no café da manhã. As suas propostas econômicas tornavam-se secundárias. Uma estável, mesmo ilusoriamente apresentada, tradicional e bem resolvida vida pessoal, parte das estratégias de campanha, passavam a ser a essência da brincadeira – na tangente, as relações exteriores. A política, portanto, uma disputa entre essas celebridades. Já o maior atuante desse tabuleiro, entretanto, a imprensa, responsável por comandar, com considerável intensidade, certos destinos – o destino de uma população, o destino de uma nação, o próprio destino do candidato que escolhesse ou não como seu.

Uma confusão interessantíssima, sobre o jornalismo redescobrindo-se como potência para discussões eleitorais completamente subvertidas, saindo de âmbitos ideológicos para adentrar questões pessoais, aparentemente impertinentes com o discurso político, é originada de uma investigação, simples e minuciosa, à privacidade do protagonista. Jason Reitman possui um interesse, permeando sua carreira, na quebra controlada de certas convenções, mas ainda mantendo, em contrapartida, alguns vínculos com os costumes – o objetivo é um pensamento menos rebelde e mais racional, enaltecendo uma flexibilidade. Um contraste entre o tradicional e o contemporâneo, consequentemente, é criado, ignorando-se, parcialmente, os inevitáveis interesses humanos em uma definição de como a vida tem que ser vivida. Quem dita as regras são os envolvidos na jogada. Juno, por exemplo, abordava a gravidez na adolescência e a rejeição em ficar com a criança, contudo, encontrava espaço de argumentação na permanência do feto até o nascimento, quando o bebê, finalmente, seria posto nas mãos dos pais adotivos.

As controversas estudadas aqui percorrem essa mesma vertente de subversão controlada, escapando da ordem, porém, sem destruí-la. Gary possui diversos casos extraconjugais – situação que sua esposa detém consciência. Um casamento com aberturas para puladas de cerca indiscriminadas? Hugh Jackman assume um posicionamento complicado em meio ao interesse dos responsáveis pelo longa-metragem, porque, enquanto o moralismo – onde reside a maior crítica aos políticos que fogem de composições tradicionais, mas defendem pautas conservadoras – acaba sendo pontuado em seus discursos, em constante contradição entre o que é imoral e o que não é imoral, o personagem também é quase inocentado diante dos olhos do público – a cena com a sua filha, dando indícios de que a garota é lésbica, exemplifica isso, assim como a intromissão do espectador em uma atmosfera de campanha extremamente energética, promovendo credibilidade. Jackman consegue expressar um descontentamento raivoso com os veículos jornalísticos, dependendo das perguntas que forem feitas, as que lhe afetam e as que não lhe afetam.

O roteiro, no entanto, ao voltar-se às pontuações referenciadas, acerca dos protagonistas e seus relacionamentos, parece desavisado do cerne. A profundidade da subversão calculada – o casamento que não espera uma espécie de fidelidade comum -, é pequena, seja o porquê das traições, seja o porquê da esposa do político, interpretada por Vera Farmiga, permanecer com o homem. Um jogo de aparências? O interesse dramático é preenchido pela toxicidade da imprensa, os verdadeiros antagonistas propostos, incorporando os malefícios que o “novo” jornalismo carrega consigo. O comando da obra, em demais questões, igualmente almeja resultados positivos. Os planos, em um pretexto parcialmente jornalístico, não soam aleatórios como, por exemplo, em Spotlight: Segredos Revelados soavam – mais interessado no que estava sendo contado do que em como estava sendo contado. O cineasta, em contrapartida, também não possui a competência de Steven Spielberg em The Post – A Guerra Secreta, uma outra exemplificação mais recente – a comparação entre as distintas gerações do veículo é mais que inevitável.

Jason Reitman procura encaminhar, sob um outro ponto de vista, certa inventividade mais ambiciosa em algumas situações particulares, como no primeiro plano do longa-metragem, sequência estendida, entendida à imersão do espectador nesses meandros estratégicos entre a caça e o caçador – as celebridades e os jornalistas. O sucesso é considerável. Já a maior parte das composições visuais incorporam a estética documentarista de invasão a um nicho específico, sem muitas novidades. O último plano, porém, ressignifica a intenção discursiva da obra. Gary toma uma decisão importantíssima, acontecimento que, normalmente, seria o desfecho para a jornada de turbulência percorrida  – como um avião, na metade do longa-metragem, premeditara. O grande momento de resoluções é deixado em segundo plano, notificado ao espectador através de uma exposição radiofônica, contendo o conteúdo do derradeiro discurso do político. Um quarto acaba sendo nossa última visão, misturando uma calmaria aparente com uma tensão latente. A mulher sentada e o homem chateado. Os viveram para sempre da política norte-americana.

O Favorito (The Front Runner) – EUA, 2018
Direção: Jason Reitman
Roteiro: Matt Bai, Jason Reitman, Jay Carson
Elenco: Hugh Jackman, Vera Farmiga, J.K. Simmons, Alfred Molina, Sara Paxton, Kaitlyn Dever, Ari Graynor, Mike Judge, Toby Huss, Kevin Pollak, Evan Castelloe, Jennifer Landon, John Bedford Lloyd, William Walker, Bill Burr
Duração: 112 min.

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