O Espetacular Homem-Aranha: A Sorte dos Parker é um livro, inicialmente, de repercussões, tanto de quadrinhos anteriores do cabeça-de-teia, quanto das complicações neste volume. Acompanhamos a história de nosso amigão da vizinhança após os acontecimentos de Homem-Aranha Superior, no qual o corpo e mente de Peter Parker passou meses sob o comando de Otto Octavius – por mais bizarro que isso soe, é um baita quadrinho, ainda que bastante controverso.
Essa nova numeração do aracnídeo mostra o Homem-Aranha lidando com as consequências dos atos do Doutor Octopus enquanto controlava seu corpo, sejam elas positivas ou negativas (em sua maioria negativas). Os efeitos danosos deixados pelo super-vilão abrem um leque para o escritor Dan Slott explorar novos campos da mitologia do herói. Os famosos problemas financeiros de Peter saem de cena, dando espaço para o CEO Peter Parker, dono de sua própria empresa tecnológica. Sua reputação de brincalhão entre heróis e cidadãos, inclusive vilões, foi manchada pelos atos cruéis de Doc Ock. E o herói até mesmo precisa lidar com um novo relacionamento amoroso deixado por Otto, com a cientista Anna. Todos esses novos problemas transformam a realidade do personagem para além dos temas que estamos acostumados a ver no cânone do personagem.
Entretanto, mesmo que a narrativa nos entregue um mundo de novas possibilidades numa tentativa de criar algo novo com o teioso, o Homem-Aranha em si, assim como Peter Parker, é o mesmo de sempre. Isso pode ser bom do ponto de vista conceitual para leitores que estão acostumados com certas características do personagem, mas do ponto de vista de inovação que a narrativa quer criar, prejudica enormemente a obra em sua investida de criar algo original com o icônico super-herói. Não que o personagem necessite ser completamente repaginado, afinal, isso foi feito em Homem-Aranha Superior, mas se Slott quer construir uma história de evolução do cabeça-de-teia para além dos problemas joviais, a falta de progressão do próprio Peter machuca o objetivo do quadrinho.
Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, e, nesse caso, também com várias consequências. A dificuldade aqui é que o Homem-Aranha lida com as complicações de Otto de forma completamente irresponsável; os clássicos erros que o herói deveria ter aprendido se repetem, demonstrando que o aracnídeo não progrediu como adulto. Em seu esforço de trazer o tradicional Homem-Aranha, após o controverso Homem-Aranha Superior, Slott vai contra a maré do cânone do herói, pois uma das melhores temáticas do personagem se baseia no aprendizado com o passado.
Dito isso, todos os outros elementos que Slott evoca funcionam muito bem neste primeiro volume. Como disse, o roteirista mantém o clássico Peter, mas cria diferentes problemáticas para o protagonista, nessa vertente mais adulta, e ele também faz isso com os vilões. Os principais antagonistas desse arco inicial são a Gata Negra e o Electro, dois já conhecidos personagens pelos leitores de HQs do personagem. Ambos buscam vingança contra o aranha por atos cometidos pelo Doutor Octopus. Electro sofreu experimentos nas mãos de Otto que o tornaram volátil, e extremamente perigoso para as pessoas à sua volta, entregando alguns momentos bem viscerais nesse quadrinho. Já a Gata Negra foi espancada pelo Homem-Aranha Superior, sendo enviada à prisão, perdendo sua preciosa vida de ladra socialite, assim como sua reputação nas ruas.
Electro é posto numa posição de fragilidade e de completo terror por não conseguir manter suas habilidades em xeque, resultando em mortes de pessoas próximas ao personagem. Todo seu arco dramático é construído com cuidado narrativo, embasado nas consequências de ganância e das complicações da falta de controle. Mas a estrela deste volume é Felicia Hardy, a Gata Negra. Dan Slott transforma completamente a personagem, o que pode enraivecer alguns fãs, mas no meu caso, acredito que todo seu desenvolvimento de rival/amiga de Peter para vingadora sanguinolenta é concebida de forma bastante orgânica. A traição, a condenação, a perda de identidade e liberdade, todas das mãos de alguém estimado, trazem boas razões dramáticas para a trama de vingança.
Outra integrante que funciona espetacularmente na obra é a Cindy Moon, ou Silk, ou Teia de Seda. Confesso que sua introdução na história não me agradou, pois muda elementos de mitologia da origem do Homem-Aranha sem uma atenção especial e de maneira aleatória na história. A obra nos apresenta o fato de que a moça foi mordida pela aranha radioativa que mordeu Peter Parker, e lhe deu os mesmos poderes do Homem-Aranha. Por uma série de ocasiões mal explicadas, a personagem ficou presa durante anos até ser libertada pelo protagonista neste arco. No entanto, se sua apresentação é extremamente estranha, o seu relacionamento com Peter é o ponto alto de todo o quadrinho, diminuindo o peso desses deslizes. Como provável par amoroso, Cindy finalmente entrega uma parceira à Homem-Aranha que esteja dentro da vida heroica de igual para igual. Como sidekick, a personagem eleva os momentos de combates com habilidades bem pensadas, restando elogios à diagramação bem geográfica e fluida de Humberto Ramos. Além disso, Cindy é divertida, traumatizada e intrigante, rendendo uma ótima adição para o universo do aracnídeo.
Este é um bom começo para o terceiro (principal) volume do personagem. Slott peca na caracterização de Peter ao confundir ideias centrais com regressão. O autor fica num limbo entre nostalgia e evolução que não delineia com precisão a proposta. Mas, ironicamente, o escritor traz muita inovação para a mitologia do amigão da vizinhança, principalmente com os personagens secundários. O Espetacular Homem-Aranha: A Sorte dos Parker é uma leitura divertida, com uma arte simples e bem enquadrada na ação, que ao mesmo tempo não é muito diferente de clássicos no sentido conceitual das histórias do aranha, mas que também carrega renovações ao cânone.
O Espetacular Homem-Aranha – Vol. 1: A Sorte dos Parker (The Amazing Spider-Man – Vol. 1: Parker Luck, EUA, 2014)
Contendo: O Espetacular Homem-Aranha (Vol. 3) #1 a #6
Roteiro: Dan Slott
Arte: Humberto Ramos
Letras: Chris Eliopoulos
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: abril de 2014 a setembro de 2014
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: janeiro de 2019
Páginas: 152