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Crítica | O Escaravelho de Ouro, de Edgar Allan Poe

Investigando o que parecia ser "coisa de louco".

por Luiz Santiago
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O Escaravelho de Ouro é uma aventura de mistério, de investigação, onde um personagem se vê diante de um enigma e cria um processo lógico para desvendar o problema que se apresenta — embora essa problemática esteja inicialmente oculta do leitor, que acredita que o indivíduo “investigador” ou “detetive” está louco — e ao final, com todos mais calmos e com a linha principal do conto ajustada, temos a grande revelação de como esse ‘investigador’ chegou à conclusão que o permitiu, nesse caso, encontrar um dos tesouros enterrados pelo Capitão William Kidd, num pedaço da costa leste dos Estados Unidos. 

Edgar Allan Poe já tinha “feito História” dois anos antes, com a publicação de Os Assassinatos na Rua Morgue (1841), que é apontado como a produção literária a dar início ao guarda-chuva do que hoje entendemos por “literatura policial” (o termo é bem problematizado hoje, mas deixo aqui o grifo para a nomenclatura de “guarda-chuva” que usei ali atrás, e creio que isso é o bastante para mostrar que não estou disputando os muitos tipos e caraterísticas de tramas que este grande gênero pode abarcar), e aqui continua marcando o seu pé no gênero, desta vez, popularizando, através de documentos e caracteres secretos (em Robinson Crusoé, de 1719, tivemos algo parecido, não?), uma narrativa sem crime, mas com um enigma para ser resolvido.

A abordagem do conto, inicialmente nos indica algo diferente, aproximando-se um tantinho do terror e, logo depois, das histórias de aventura, não à toa inspiraria Robert Louis Stevenson a conceber A Ilha do Tesouro. Mas a força da obra não termina aí, tendo chamado também a atenção de Arthur Conan Doyle (na parte do criptograma) e servido de grande influência para Edogawa Ranpo — pseudônimo de Tarō Hirai, criado justamente com aproximação fonética ao nome de Edgar Allan Poe  –, “o pai da ficção detetivesca japonesa”, em sua obra de estreia, A Moeda de Cobre de Dois Sen (publicado em abril de 1923).

Poe faz o leitor atravessar diferentes emoções ao longo do conto, criando, inclusive, algumas mudanças de atitude dos personagens que a gente não espera que venha. A maior e menos cuidadosa dessas mudanças acontece por volta das últimas 10 páginas do conto, quando William Legrand, o estranho morador da Ilha Sullivan, que ali vive com seu empregado (e ex-escravo da família) Júpiter, passa a explicar ao narrador como identificou a “cifra de substituição” do pergaminho, e como chegou à sua decifração. Legrand fala como encontrou esse documento histórico, como foi picado por um “escaravelho dourado” e como mergulhou em um processo lógico para descobrir o significado da mensagem secreta e, por fim, encontrar o tesouro. 

Esta parte final do enredo foi a que menos me interessou, porque está abarrotada de explicações para elementos técnicos do criptograma, que narrativamente, poderiam ser citados com menos detalhes e ainda assim conseguir o impacto pretendido. Enquanto isso, certas inconstâncias ligadas ao tal “escaravelho dourado” são tratadas pelo autor como algo que deve simplesmente ser aceito pelo leitor. Por se diferenciar muito da sequência aventuresca do miolo (a minha favorita do texto) e do início com atmosfera macabra, essa parte final acabou se tornando o ponto em que O Escaravelho de Ouro perdeu um pouco da graça para mim. Vale, contudo, o destaque para a visão que o autor reforça, aquela de que as coisas aparentemente mais sobrenaturais, malucas ou inexplicáveis podem, sim, ter uma explicação metódica e racional; como em toda boa história de detetive.      

O Escaravelho de Ouro (The Gold-Bug) — EUA, 21 de junho de 1843
Autor: Edgar Allan Poe
Publicação original: Philadelphia Dollar Newspaper
Edição lida para esta crítica: Edgar Allan Poe: Medo Clássico – Vol. 1 (DarkSide Books, 2017)
40 páginas

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