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Crítica | O Doador de Memórias, de Lois Lowry

por Melissa Andrade
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Existe uma lista de livros que são conhecidos por serem difíceis de traduzir. Não que não dê para fazer. Apenas há um certo receio de que a essência da história se perca quando passada para outro idioma, afinal, as palavras possuem poderes diferentes em idiomas diferentes.

O livro O Doador de Memórias se encaixa perfeitamente nessa lista.

Em uma pequena comunidade seus habitantes vivem em completa paz num ambiente controlado. Respeitam as regras imposta pelos anciãos e são destituídos de qualquer sentimento ruim como inveja, ambição, cobiça ou mesmo raiva. Tampouco conhecem os sentimentos bons como amor, alegria e compaixão. Vivem apenas o presente e de modo bem sistemático. Toda manhã precisam tomar um remédio específico, sentar a mesa e partilhar acontecimentos do dia, desculpar-se por qualquer pequeno problema causado, respeitar o toque de recolher e por assim em diante.

Em uma determinada data, uma cerimônia é realizada para diversos fins, mas, especialmente para promover as crianças a novas etapas da vida. As crianças que completarem 9 anos, ganharão bicicletas, único meio de transporte da comunidade. E crianças que completarem 12 anos, serão selecionadas para as funções que ocuparão para o resto de suas vidas. Há inúmeras designações como médico, cuidador de idosos, professor, instrutor, entre outros. Jonas, que se encontra nessa categoria, está bastante apreensivo, pois acha que não se encaixa bem em nenhuma. Quando ele e seus amigos são chamados ao palco, os anciões os chamam por seu nome e número, porém, pulam a vez de Jonas. Desesperado, ele acha que fez algo coisa terrivelmente errado e que será punido, quando na verdade, vai receber o maior cargo de todos: o receptor de memórias, um dos mais prestigiados.

Jonas passará a receber as memórias guardadas pelo doador e no futuro ficará no lugar dele para orientar os anciãos. A cada treinamento, o garoto descobre coisas como neve, um dia de sol, passeio de canoa, clima e atividades banidos na comunidade. Ele foi o escolhido por ter a habilidade especial de conseguir ver o que mais ninguém consegue, como as cores.

Aos poucos, Jonas aprende sobre acontecimentos do passado e conceitos que não existem na comunidade. A cada memória recebida ele passará a questionar a funcionalidade do local onde mora e também o porquê de tanto sigilo em relação às memórias, fazendo-o descobrir segredos terríveis que o farão encarar de outra forma essa realidade em que vive.

Além de possuir uma narrativa simples e sucinta, a trama desenvolvida pela autora é bem interessante. Lowry cria essa sociedade que está imbuída em regras, mas os cidadãos em momento algum as questionam. Eles apenas cumprem a ordem porque é assim que sempre foi feito e é assim que deve ser. Porém, ao serem destituídos das memórias, realizam as tarefas de modo robótico, sem pensarem nas consequências que elas possuem. Ao mesmo tempo, como seria possível indagar sobre algo do qual você não tem o conhecimento? Se sempre foi feito daquela forma, não pode ser considerado ruim certo?

A proposta de debate que a autora propõe é fascinante, pois dentro daquele universo, os únicos que realmente conhecem o que é viver são Jonas e o doador. Viver como nós conhecemos, mas, as outras pessoas não vivem apenas porque não conhecem o que eles conhecem? Será que se fossemos criados assim, sem sentimentos como rancor, inveja, tristeza, tudo seria mais fácil?

Os personagens criados por Lowry são em sua essência crianças, aos quais foram ensinadas ou adestradas, nesse caso, apenas o básico para levar uma vida simples. Ainda que crianças sejam por natureza seres curiosos e questionadores, quando não sabem de algo e dosamos o que estamos contando, passam a encarar como verdade absoluta até terem discernimento o suficiente para aprender mais.

O livro não tem um final satisfatório, mas é de certa maneira conclusivo. Bom deixar claro que se trata de uma quadrilogia e que não há previsão de lançamento dos demais livros em território nacional. Mas é possível encontrá-los em seu idioma original, caso tenham interesse em seguir com a leitura.

O Doador de Memórias foi premiado com a Medalha John Newbery por contribuir com a leitura infanto-juvenil, consagrando assim a escritora Lois Lowry.

O Doador de Memórias (The Giver – 1993/2014)
Autora: Lois Lowry
Editora EUA: Houghton Miffin
Editora Brasil:
 Editora Arqueiro
192 Páginas

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