Apesar de ser lembrado pela maioria dos brasileiros pelo pênalti desperdiçado na final da Copa do Mundo de 1994, resultando no tetracampeonato da competição para o Brasil, Roberto Baggio já figurava no hall dos grandes jogadores de sua época antes do fatídico episódio. Extremamente habilidoso, o atacante havia sido eleito o melhor do mundo em 1993 e é um dos únicos a jogar pelos três maiores clubes italianos: Juventus, onde atingiu seu auge, Internazionale e Milan. Contar a história do craque, considerado por muitos o maior futebolista italiano de todos os tempos, é a premissa de O Divino Baggio, um original Netflix dirigido por Letizia Lamartire.
Curiosamente, é justo na parte inicial de sua história, quando o jogador galgava seu primeiros passos no futebol profissional e, por consequência, é a menos falada de sua grande carreira, que o filme acaba deixando de lado quase que a totalidade dos acontecimentos que fizeram Baggio (Andrea Arcangeli) atingir o patamar de divindade (era chamado de Il Codino Divino, por conta de seu penteado). Ao apresentar o início da trajetória do jogador, com a dura lesão logo após assinar com a Fiorentina, um tradicional clube da elite do futebol italiano, a direção de Lamartire faz um salto temporal tão grande que vamos quase do começo da carreira para a Copa de 94, quando Baggio encontrava-se em seu auge, aos 27 anos. Toda a trajetória na Fiorentina, a transferência para a gigante Juventus, onde se firmaria como um dos grandes, e a conquista do prêmio de melhor jogador do planeta sequer são mencionados, deixando de fora parte essencial da história que construiu a lenda.
A abordagem para as questões da vida pessoal do atleta, por outro lado, consegue um resultado mais satisfatório. Através da busca pela aprovação e atenção de seu duro pai Florindo (Andrea Pennacchi), seu relacionamento com Andreina (Valentina Bellè) e sua conversão para o budismo, o filme constrói um eficiente plano de fundo para seu protagonista, fazendo com que sua inabalável determinação e suas ações profissionais tenham respaldo no núcleo pessoal. Afinal, é para satisfazer desejos internos e por sua família que Baggio passa por todas as dificuldades e percalços apresentados ao longo de sua carreira.
Dentre tudo o que é apresentado, talvez o que mais tenha me agradado seja a desconstrução do mito apresentado pela diretora. O próprio Baggio já revelou que o desperdício da penalidade na final o atormentou por muito tempo, como se, por sua habilidade diferenciada, fosse proibido de cometer erros. Ao abordar essa questão mostrando o sofrimento do jogador ao longo dos anos e o quanto aquilo o prejudicou inclusive na vida pessoal, Lamartire desconstrói a divindade expondo sua humanidade. Entretanto, não a ponto do herói sumir de perspectiva, criando talvez a imagem mais justa de quem realmente é Baggio: um herói que erra, como todos nós. E é isso que o torna tão especial (a comparação com Maradona, outro herói errante, durante uma conversa com o técnico Sacchi (Antonio Zavatteri) reforça isso).
Longe de ser uma obra irreparável, O Divino Baggio oscila entre bons e maus momentos, criando uma imagem justa do atacante italiano em determinado momento, mas deixando de fora importantes episódios de sua caminhada. É eficiente ao humanizar a figura Baggio, no entanto a citada ausência de maior detalhes da carreira dificulta a identificação de quem não conhece a história do protagonista de antemão.
O Divino Baggio (Il Divin Codino) — Itália, 2021
Direção: Letizia Lamartire
Roteiro: Ludovica Rampoldi, Stefano Sardo
Elenco: Andrea Arcangeli, Valentina Bellè, Andrea Pennacchi, Antonio Zavatteri, Anna Ferruzzo, Riccardo Goretti, Roberto Turchetta, Martufello, Thomas Trabacchi, Marc Clotet, Beppe Rosso
Duração: 91 min.