Durante a sua 1ª Temporada, Twin Peaks viu a América inteira cair aos seus pés. A série, que já começou fazendo História, foi apresentando crescimento de público e de opiniões positivas a cada semana, fazendo com que as pessoas especulassem e montassem teorias inteiras sobre quem matou Laura Palmer — a personagem que mesmo morta, faz toda a cidade de Twin Peaks girar em torno dela, temê-la, e desejar que ela de fato estivesse morta, desaparecesse para sempre.
Para aproveitar o número cada vez maior de admiradores e capitalizar em cima da série, Lynch e Frost tiveram a ideia de licenciar um livro sobre a detentora do grande mistério da cidade. Coube a Jennifer Lynch (filha de David, então com 22 anos) a tarefa de colocar nas páginas os pensamentos e ações mais sórdidas da aparentemente “santinha” Laura Palmer, em uma narrativa inteiramente em primeira pessoa e com direito a páginas rasgadas e anotações secretas do que aconteceu em sua vida entre os 12 e os 17 anos.
O livro foi publicado em setembro de 1990, duas semanas antes da estreia da 2ª Temporada do show, e se tornou um best seller. O assassino de Laura Palmer ainda não havia sido revelado e o público devorou a obra procurando pistas e justificativas para o crime, tentando encontrar respostas para quem (ou o quê) era BOB e outros mistérios que rondavam Twin Peaks naquele momento. Como a leitura é fácil e o modelo de narração acaba criando uma proximidade do leitor com a autora das anotações, é possível terminar o livro muito rápido e, ao fim, ter uma opinião completamente diferente sobre Laura, o mundo espiritual e sobre a maldade e bondade humanas. Se na série ou no filme de 1992 isso foi explorado até certo ponto, o diário traz coisas inimagináveis para o público.
A primeira entrada no volume acontece em 22 de julho de 1984, quando Laura tinha apenas 12 anos. Em um primeiro momento, o livro parece seguir por um caminho comum. Temos em mãos o diário de uma criança… nada demais pode acontecer, certo? Errado. Jennifer Lynch constrói com muita competência os primeiros momentos da obra e já sugere uma força incontrolável e maior do que todos em torno da criança que colocava seus pensamentos naquelas páginas. De repente, paramos para pensar que este é o DIÁRIO SECRETO da menina, que mantinha dois, um para ser pego e lido pelos seus pais, e outro — este a que temos acesso –, no qual é possível ver o lado obscuro dela e de seu Universo.
Existe aqui uma forte ligação com inúmeros acontecimentos da 1ª Temporada (não é à toa que o livro é considerado parte do cânone, o que nos faz estranhar o filme de 92 não ter utilizado as deixas da obra; mas nada assim tão grave), então vemos nomes como Donna Hayward, a melhor amiga de Laura e Maddy, sua prima idêntica. À medida que a garota envelhece, surgirão nomes mais obscuros (Leo e Bobby, por exemplo) e o leitor terá plena ciência de que a personagem sofreu abuso sexual na infância e foi trilhando um caminho bastante destrutivo, especialmente após os 14 anos, quando os registros do diário começam a ficar pesados de fato. São desnudados o seu vício em cocaína, seu primeiro contato com cigarro e álcool, as claras indicações de seu desequilíbrio mental (BOB é um personagem presente nessas entradas, inclusive “assumindo” a escrita de algumas linhas), os momentos de prostituição e todo o conteúdo graficamente sexual, algo que a série jamais exibiria.
Apenas o início e o final do livro mereciam algum tipo de intromissão da autora para não parecerem abruptos ou forçados de alguma forma. Como isso não acontece, estes pontos acabam sendo as pequenas fraquezas do livro, mas não há nada que diminua o choque do leitor ao adentrar ao Universo de Laura Palmer e perceber que se trata de alguém que sofreu muito e esteve perturbada por muito tempo e por diversas pessoas, até que alguém colocasse um fim em tudo. É um relato cruel em muitos níveis. Um relato que nos fará repensar não só a personagem, mas também os caminhos do bem e do mal que rondam as florestas de abetos de Twin Peaks.
O Diário Secreto de Laura Palmer (The Secret Diary of Laura Palmer) — EUA, 15 de setembro de 1990
Autora: Jennifer Lynch
Publicação: Pocket Books (Simon & Schuster)
No Brasil: Editora Globo, 1998
Tradução: Vera Caputo
215 páginas