O Dia do Chacal, primeiro romance de ficção de Frederick Forsyth, publicado em 1971, é uma obra que desafia convenções literárias ao tratar sua narrativa de maneira não convencional, mantendo uma certa distância e frieza em relação ao acontecimentos, quase que como um relato jornalísticos, e não desenvolvendo personagens da forma mais usual, somente revelando detalhes sobre eles – notadamente o assassino de aluguel cujo codinome é Chacal e o comissário de polícia Claude Lebel, que capitaneia a caçada a ele – estritamente na medida do necessário para a trama andar, com o foco permanecendo constantemente no trabalho meticuloso dos dois em suas respectivas especialidades. A adaptação cinematográfica dirigida pelo infelizmente hoje pouco lembrado Fred Zinnemann, responsável por clássicos como Matar ou Morrer, A um Passo da Eternidade e o espetacular O Homem Que Não Vendeu Sua Alma, ao optar por fazer quase que uma transposição literal de mídias e não exatamente uma adaptação, acaba também tendo que desafiar convenções semelhantes, mas, pelo menos para mim, com bem menos sucesso que Forsyth.
Tudo na produção é milimetricamente escolhido para espelhar com um grau espantoso de fidelidade o que o autor britânico publicara dois anos antes, das filmagens em locação nos mais diversos cantos da França, Itália, Inglaterra e Áustria, do aproveitamento de uma parada real em Paris para a sequência climática do atentado a Charles de Gaulle que levou muita gente a ficar confusa com a presença do ator Adrien Cayla-Legrand como o presidente francês que falecera pouco tempo antes, da cuidadosa escolha do elenco e dos figurinos, além dos trabalhos de penteado e maquiagem. É como ver cada página do livro ganhar vida, com a maior diferença que pude detectar tendo sido a forma com que a polícia francesa sequestra Viktor Wolenski (Jean Martin), o guarda-costas da trinca de líderes fictícios do grupo paramilitar real OAS (Organisation Armée Secrète ou Organização Armada Secreta) que contrata o Chacal (Edward Fox) para liquidar com o líder francês em razão da descolonização da Argélia, pois, no livro, há toda uma complicada trama paralela que, no filme, é substituída por uma simples e prática coronhada no meio da rua.
Essa fidelidade toda ao material fonte é sem dúvida louvável e merece destaque e até aplausos, mas ela é, também, um problema para o longa que, mesmo tentando emular visualmente a calma e comedimento do Chacal aos poucos dando azo a momentos de improviso em razão da caçada empreendida por Lebel (Michael Lonsdale), com o ritmo mudando completamente na medida em que a história se aproxima do dia do atentado, não consegue dar conta dessas transições, com a montagem de Ralph Kemplen falhando em diversos momentos de “picotes” e na forma como não consegue trabalhar a passagem temporal naturalmente, sem focar em calendários pendurados nas paredes ou artifícios semelhantes. Mas o problema está justamente no roteiro do quase completamente inexperiente Kenneth Ross (que, depois, viria a escrever pouquíssimos outros roteiros em sua carreira), pois, ao empreender a já mencionada transposição quase página por página do livro, acaba ao mesmo tempo passando detalhes demais, mas ação de menos, com algumas repetições de sequências, como as reuniões diárias de Lebel com seus superiores, não só cansando e contribuindo pouco para o impulsionamento narrativo para além de explicar didaticamente o que o espectador acabou de ver.
A frieza e distanciamento de Forsyth no romance é algo difícil de se acostumar durante a leitura, mas acaba funcionando como um passe de mágica. No longa, Zinnemann não tem a mesma sorte ao tentar uma linguagem que fica no meio termo entre documentário e ficção, com o realismo imposto impedindo qualquer tipo de conexão do espectador com o Chacal ou Lebel, o segundo, aliás, só sendo introduzido no filme depois de mais de 40 minutos de projeção e jamais ganhando sequências que nos permitam concluir que ele é algo mais do que um Hercule Poirot que só fala no telefone e fica sentado em sua mesa aguardando relatórios e telefonemas. Sem dúvida, porém, que o destaque é o Chacal e, nesse aspecto, graças ao trabalho de Edward Fox (um daqueles atores que já vimos em dezenas e dezenas de filmes, mas nunca sabemos o nome), o personagem brilha durante todo o longa com sua fleuma britânica, sua capacidade de improvisar e sua calma constante, mesmo nas mais tensas situações. Além disso, Fox convence em todas as “versões” do Chacal que vive em tela, seja ele mesmo, seja um engomadinho de terno e óculos ou um conquistador.
E, como se isso não bastasse, Zinnemann não tenta economizar, não tenta criar um efetivo ritmo narrativo que não seja o de um carro andando na primeira marcha mesmo quando começa a acelerar. Isso resulta em um filme que, mesmo tendo sido um sucesso na época – muito também em razão do retumbante sucesso do livro, ainda muito vendido em 1973 -, falha ao tentar subverter a linguagem cinematográfica como Forsyth subverteu a literária. Mas não se enganem: ainda é um longa-metragem muito bom que eu tive o prazer de assistir algumas vezes ao longo das décadas, mas sistematicamente oferecendo o equivalente audiovisual ao princípio econômico conhecido como a Lei dos Retornos Decrescentes, com seus problemas tornando-se mais presentes a cada nova conferida, o que não foi diferente agora, para a elaboração da presente crítica.
O Dia do Chacal (The Day of the Jackal – Reino Unido/França, 1973)
Direção: Fred Zinnemann
Roteiro: Kenneth Ross (baseado em romance de Frederick Forsyth)
Elenco: Edward Fox, Michael Lonsdale, Derek Jacobi, Michel Auclair, Alan Badel, Tony Britton, Terence Alexander, Denis Carey, Cyril Cusack, Maurice Denham, Delphine Seyrig, Jacques François, Olga Georges-Picot, Raymond Gérôme, Barrie Ingham, Jean Martin, Ronald Pickup, Vernon Dobtcheff, Eric Porter, Anton Rodgers, Donald Sinden, Jean Sorel, David Swift, Timothy West, Bernard Archard, Philippe Léotard, Adrien Cayla-Legrand, Andréa Ferréol, Edward Hardwicke, Howard Vernon, David Kernan, Féodor Atkine, Max Faulkner, Liliane Rovère, Nicholas Young
Duração: 142 min.