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Crítica | O Descobrimento do Brasil (1937)

Romantização colonizadora ao som de Villa-Lobos.

por Luiz Santiago
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O Descobrimento do Brasil foi a primeira grande produção de Humberto Mauro como funcionário do INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), criado em 1936 pelo Ministério da Educação e Cultura do governo Getúlio Vargas. Mauro teve uma carreira de 31 anos no Instituto, dirigindo mais de 300 curtas-metragens e três longas, sendo o primeiro este O Descobrimento do Brasil e os outros dois Argila (1940) e Canto da Saudade (1952). O filme histórico, que estreou em novembro de 1937, fala da partida das treze naus de Pedro Álvares Cabral de Lisboa e sua difícil trajetória pelo Atlântico. Após a chegada ao Brasil, o foco do filme é a relação dos portugueses com os povos originários e as primeiras ações dos colonizadores na recém-nomeada Terra de Vera Cruz.

A produção de O Descobrimento do Brasil envolveu muitos esforços estatais, primeiro do INCE, depois do Ministério da Cultura e também do Instituto de Cacau da Bahia, que agiram como financiadores e controladores de conteúdo da obra, cuja narrativa toma o ponto de vista dos portugueses (seguindo a lógica da historiografia nacional clássica), colocando os europeus como indivíduos quase divinos, no alto de sua imensa coragem, bondade, inteligência e diplomacia; e os indígenas como selvagens cujo destino era receber as bênçãos, o amparo paternal e a “educação civilizadora” dos tais “descobridores do Novo Mundo“. Esse ideal é fortemente semeado no primeiro bloco do filme — o mais fraco de todos, com elementos pouco interessantes na direção. A partir da chegada às terras brasileiras, a abordagem muda bastante e passamos a ter um filme visualmente chamativo, mais fluído e com algumas composições de quadro deslumbrantes, com destaque para a belíssima cena que reproduz a tela Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles.

Apesar de sua abordagem acrítica, à laconto-de-fada histórico“, floreando o princípio de um processo violento de invasão, roubo de território, genocídio de nativos e imposição de uma cultura sobre outra, a condução e principalmente os elementos de composição interna desse longa é até hoje motivo de orgulho para o cinema brasileiro, dada a atenção aos detalhes que os profissionais responsáveis tiveram aqui. Os figurinos dos europeus e as indumentárias indígenas estão muito bem representadas; a música de Villa-Lobos torna a construção desse mito fundador uma aventura épica, instigante e poderosa; e a reconstituição, em tamanho real, da nau capitânia de Cabral — assim como das naus em miniatura — merecem os devidos aplausos. Embora eu ache as filmagens nas caravelas (tanto no interior quanto no exterior) as menos interessantes da fita, há que se reconhecer o fantástico desenho de produção dessas embarcações.

Utilizado por muitos professores como introdução aos debates sobre a formação da América Portuguesa, O Descobrimento do Brasil é um icônico produto nacional da década de 1930. O roteiro exibe trechos da carta de Pero Vaz de Caminha como divisor dos blocos dramáticos, e embora passe por momentos truncados e sem brilho no início, possui um desenvolvimento e um final inesquecíveis. Seu conteúdo reflete o pensamento histórico da época e, mesmo devendo ser analisado e entendido como tal, precisa ser questionado e problematizado à luz de um olhar mais amplo, material e historicamente honesto para os laços sociopolíticos, econômicos e culturais que se formam a partir do momento em que os portugueses chegaram a este território, tomam posse dele e, trinta anos depois, deram início ao processo efetivo de colonização.

O Descobrimento do Brasil (Brasil, 1937) 
Direção: Humberto Mauro
Roteiro: Affonso de Taunay, Bandeira Duarte, Humberto Mauro (baseado na carta de Pero Vaz de Caminha)
Elenco: Álvaro Costa, Alfredo Silva, Arthur Oliveira, Armando Duval, De Los Rios, Hélio Barroso, João de Deus, J. Silveira , Manoel Rocha
Duração: 60 min.

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