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Crítica | O Corvo (2024)

Mais uma ressurreição do Corvo.

por Ritter Fan
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Sei que O Corvo, de 1994, é cultuado por muita gente e uma das razões mais fortes por trás disso, querendo ou não, consciente ou inconscientemente, é a trágica morte de Brandon Lee durante a produção. Claro que o filme tem seus méritos, mas ele está longe de ser uma maravilha cinematográfica como muitos apregoam. As três tentativas seguintes de se produzir continuações levaram à criação de cópias com pequenas modificações, cada uma pior do que a outra, culminando no ofensivo O Corvo: Vingança Maldita. E, entre uma coisa e outra, houve até uma série de TV que durou apenas uma temporada e que foi a primeira vez que outro ator, Mark Dacascos, viveu o mesmo personagem de Lee, Eric Draven. Agora, é a vez de Bill Skarsgård (Pennywise em pessoa!) encarnar o vingativo anti-herói original criado por James O’Barr em um longa que altera substancialmente a premissa original dos quadrinhos e adiciona elementos pseudo-complexos.

Quem porventura achar que minha postura em relação ao novo filme é negativa em razão da última frase acima estará redondamente enganado. Tudo o que tivemos desde 1994 foi, em essência, a mesma história básica trabalhada de diferentes maneiras. Desta vez, o roteiro de Zach Baylin e William Josef Schneider tem a coragem de alterar a história básica, fazendo do místico Corvo não apenas um agente de vingança violenta, mas alguém com uma missão, missão essa que leva a um “prêmio”. Apesar de pessoalmente não gostar da promessa do prêmio, pois acho que ele suaviza o conceito, acrescentar uma missão à vingança de maneira que as duas coisas se confundam e criar toda uma mitologia mais interessante para o processo de transformação, com direito a um Purgatório que parece uma estação de trem abandonada e um guia humano (Sami Bouajila) e, mais ainda, uma alteração de status quo para o protagonista em determinada altura, me pareceram escolhas que pelo menos tentam oferecer algo verdadeiramente diferente e não apenas repetir a repetição da fórmula anterior.

Além disso, o novo filme faz algo que nenhum outro, nem o primeiro, procurou realmente fazer: dar desenvolvimento e peso à relação do casal que acaba assassinado. Chega a ser uma surpresa que o roteiro comece pelo efetivo começo, quando Eric (Skarsgård) e Shelly (FKA Twigs) se conhecem em um centro de reabilitação de jovens e parta daí para mostra o relacionamento muito próximo entre os dois, cada um servindo de tábua de salvação para o outro. É sem dúvida clichê, mas é um clichê que funciona e que já traz o mal que se abate nos dois desde a origem, com um misterioso vídeo que Shelly recebe de um amigo e que atrai a atenção de ainda mais misteriosos assassinos comandados por um literalmente demoníaco vilão vivido por Danny Huston, que parece estar se divertindo demais em seu papel. O que não funciona muito é o tempo dedicado a esse lado romântico pelo diretor Rupert Sanders, que parece não saber quando parar e acaba iniciando o filme com uma barriga narrativa que desacelera a história antes mesmo de ela acelerar, o que definitivamente é uma decisão narrativa equivocada.

Mas o que importa é que Eric e Shelly ganham conexão, ganham o contexto que permite que o espectador sinta a perda quando ela realmente acontece e compreenda o peso dramático da “segunda escolha” do protagonista quando ele retorna ao Purgatório. Sem medo de errar, afirmo que esse Eric e essa Shelly são os únicos personagens principais completos de toda a franquia cinematográfica. Não quero dizer com isso que a dupla de atores é fenomenal, pois ela está longe, bem longe disso, mas a construção do amor a partir da desesperança, a partir do que poderia ser o fim para cada um deles, é algo que ressona e que mostra que a obra de Sanders não quer ser, apenas, uma sucessão de mortes violentas que se dão a partir de outras mortes violentas. Claro que, por outro lado, há uma tentativa de complicar a narrativa que acaba emprestando um desnecessário ar pretensioso ao filme, seja por colocar o romance em primeiro plano para relegar a pancadaria ao segundo, seja por tentar lidar com o tema de abuso de poder por meio da alegoria da voz controladora de Vincent Roeg (Huston).

Falando em pancadaria, apesar de o longa não economizar em mortes, é no mínimo curioso que haja apenas uma sequência grandiosa de ação que o diretor comanda com bastante segurança e com uma coreografia de luta brutal, crua, com o Corvo usando uma katana não com a graça clichê que se espera sempre que um instrumento desses aparece em cena, mas sim quase que como um cassetete particularmente afiado. É uma cena longa, intercalada com cenas da ópera acontecendo no interior do teatro que têm como objetivo “validar” o próprio morticínio cheio de estilo, algo que, novamente, parece (e é) pretensioso, mas que acaba funcionando, não deixando nada a dever a filmes com essa veia de violência estilizada como os da franquia John Wick ou da duologia 300. Infelizmente, esses 20 minutos são o ápice da ação do filme e tudo o que vem depois, inclusive o embate do Corvo com o final boss não passa de dénouement, outra escolha narrativa de coçar a cabeça.

A nova versão de O Corvo tenta realmente trazer elementos novos a uma série de filmes que nunca realmente decolou e que obviamente não precisava ter sequer se tornado uma franquia. Mas, como essa opção não existe, pois Hollywood sempre extrairá o máximo de suas propriedades, mesmo aquelas que não são lá muito bem sucedidas, Rupert Sanders procura entregar algo diferente que reserva algumas surpresas e subvertem o que esperamos do personagem, mesmo que o preço cobrado para isso em termos de estrutura e cadência narrativa seja alto.

O Corvo (The Crow – Reino Unido/França/EUA, 2024)
Direção: Rupert Sanders
Roteiro: Zach Baylin, William Josef Schneider (baseado em quadrinhos de James O’Barr)
Elenco: Bill Skarsgård, FKA Twigs, Danny Huston, Josette Simon, Laura Birn, Sami Bouajila, Isabella Wei, Jordan Bolger
Duração: 111 min.

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