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Crítica | O Conto de Natal do Mickey

por Giba Hoffmann
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Produzido em 1983 como uma featurette extra para impulsionar as reexibições no cinema de Mogli, o Menino Lobono Reino Unido, e Bernardo e Bianca, nos Estados Unidos, O Conto de Natal do Mickey (por vezes referido como O Natal do Mickey Mouse) marca o retorno do titular camundongo e de sua turma para as telonas do cinema, após trinta anos ausente (desde o curta The Simple Things, de 1953). Assim sendo, apenas um dos dubladores envolvidos nos curtas originais pôde estar de volta: Clarence Nash, que volta uma última vez para emprestar a voz ao Pato Donald, no conhecido estilo semi-incompreensível que ajudou a criar e imortalizar como uma das grandes marcas do personagem. Por outro lado, temos a estreia de Alan Young na versão animada do Tio Patinhas. Após emprestar a voz para o pato sovina pela primeira vez em uma versão em áudio da mesma história, o dublador volta ao papel com o qual em breve marcaria época na televisão, como o protagonista da série animada DuckTales.

Para além de seu valor e interesse histórico, a produção tem sucesso em adaptar o livro de Charles Dickens para o formato de animação de curta-metragem, adicionando o toque dos personagens do estúdio e a direção de arte de um bom clássico Disney, garantindo à obra uma aura de atemporalidade que poucas produções infanto-juvenis são capazes de alcançar. O curta é uma síntese interessante entre o passado e o então presente da produtora, resgatando os personagens mais antigos do estúdio e colocando-os lado a lado com contemporâneos de produções que hoje já não são tão comumente lembradas (em especial As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo Robin Hood). A direção adota um estilo que consegue conciliar bem a cinematografia dos longas de animação da época, com uma tonalidade mais realista focada em diálogos e com uma trilha sonora bastante minimizada em relação aos clássicos, com a presença das figuras exuberantes de Mickey, Donald e Tio Patinhas. Sendo um roteiro já bastante conhecido, adaptado em inúmeras versões para o cinema, televisão, quadrinhos e o que mais for, não deixa de chamar a atenção a fidelidade da tradução realizada aqui. Em pouco mais de 20 minutos de tempo corrido, acompanhamos as principais batidas do clássico, encarnadas em cenas curtas e muito efetivas que pegam linhas de diálogo diretamente do livro original (com mais frequência do que muitas adaptações cinematográficas com muito mais tempo disponível o fizeram) e as colocam na boca de figuras marcadas do panteão disneyiano.

Estranha em parte a escolha do título, já que o personagem principal aqui não é o Bob Cratchit “interpretado” por Mickey Mouse, mas sim o velho sovina Ebenezer Scrooge, interpretado obviamente pelo “Tio” Patinhas Mac Patinhas. A referência pode não ser tão óbvia para o espectador brasileiro, principalmente o mais jovem, mas trata-se aqui do fechamento de um ciclo, uma vez que no original o personagem de Patinhas fora baseado, na ocasião de sua criação por Carl Barks, no próprio anti-herói do conto de Dickens, ao ponto de receber inclusive o nome do mesmo (Scrooge McDuck). Ou seja, trata-se de uma história do Tio Patinhas, com o nome mais comercializável (no mundo das animações) do Mickey no título para emprestar mais interesse à coisa toda.

Enquanto que o conto original de Barks, o magistral Natal Nas Montanhas (Christmas on Bear Mountain, de 1947), cria em cima do personagem de Scrooge, pintando a figura do excêntrico tio quaquilionário que convida seus sobrinhos para acompanhá-lo em seu Natal solitário com a real intenção de dividir com eles sua miséria de espírito, aqui o pato encarna na literalidade o personagem que inspirou sua criação, na clássica história em que Ebenezer se vê às voltas com os Espíritos dos Natais do Passado, Presente e Futuro. A estrutura do curta é eficientemente construída, tomando seu tempo no estabelecimento do personagem no contraste com o explorado, porém humildemente conformado Cratchit (Mickey Mouse – Wayne Allwine/Sergio Moreno) e com o irremediável espírito natalino de seu sobrinho Fred (Pato Donald – Clarence Nash/Garcia Júnior). Temos nessa parte também a participação especial de Rato (Hal Smith/Sílvio Navas) e Toupeira (Hal Smith/Ionei Silva), de As Aventuras de Ichabod e Sr. Sapo, como os coletores de doações para os pobres. Além de nos falar sobre o caráter de Scrooge, as cenas são bastante divertidas ao mostrar o humor sarcástico do sovina amargo, com suas respostas rápidas e tiradas sensacionais cativando o espectador imediatamente.

O miolo da trama, embora bastante condensado, seleciona com precisão as passagens essenciais da jornada de Scrooge, de forma que sua transformação final seja bastante convincente, ao menos no nível emocional (que, convenhamos, é o que mais interessa para um curta infanto-juvenil de Natal). Temos o encontro com o espírito de Jacob Marley (Pateta – Hal Smith/Telmo de Avellar), antigo sócio de Scrooge que vem visitá-lo para alertar a respeito de seu futuro, enquanto ainda é tempo. Caso a visita dos três espíritos não seja capaz de lhe mostrar o erro em seu modo de vida, Ebenezer corre o risco de permanecer acorrentado pela eternidade, da mesma forma que o amigo que tanto admirava. Não que isso o impressione minimamente, já que ele imediatamente faz pouco caso do Espírito dos Natais Passados (Grilo Falante de PinnochioEddie Carroll/Nelson Batista), antes que ele comece a lhe dar sua devida lição.

O sábio grilo não perde tempo em levar Scrooge por um sobrevôo por uma belíssima Londres nevada (“Qual o problema, Scrooge? Achei que gostasse de olhar o mundo de cima!”), direto para seu passado, onde ele se vê jovem e apaixonado por Isabel (Margarida – Patricia Parris/Juraciara Diácovo), antes de ter a alma tomada pela ganância. Embora a sequência seja bem realizada, devo discordar da escolha de Margarida para o papel de interesse romântico do Patinhas – poderiam ter usado a oportunidade para a estreia animada de Dora Cintilante, embora obviamente a escolha da figura mais conhecida fosse inevitável. O segmento no passado é o mais simples em termos visuais, mas o diálogo recortado diretamente do material original garante o charme da cena, ainda que seja a menos impactante das três viagens de Ebenezer.

Não impressionado o suficiente pelo passado, Scrooge recebe a visita do Espírito do Natal Presente (Gigante Willie de Como é Bom Se Divertir Will Ryan/Garcia Neto), que mostra a fartura dos banquetes negados pelo sovina aos que têm fome.  A escolha inusitada do personagem serve bem ao propósito de armar a cena onírica em que o velho pato visita o jantar do gigante e interage com ele em sua mesa à lá João e o Pé de Feijão. Visualmente a sequência se destaca, resultado do nível de detalhe com que são desenhados os alimentos gigantescos, combinado com a fluidez da animação e das trocas entre Scrooge e Willie. Aqui o sovina descobre mais sobre a dura realidade em que vive Cratchit, vendo-se forçado a uma posição de humildade ao perceber o quanto era ignorante a respeito das dificuldades que o empregado passava. É aqui que vemos a figura (um tanto apelativa) do pequeno Tim (Chiquinho – Dick Billingsley/José Leonardo), filho doente de Cratchit que, mesmo em sua condição, ainda é grato pelo pouco que o pai recebe do patrão.

No segmento final, temos o Espírito dos Natais Futuros (João Bafo-de-Onça – Will Ryan/Orlando Drummond) mostrando o que está por vir ao velho Scrooge caso ele não tome jeito na vida. Dentre os três espíritos, este apresenta-se como o mais hostil e ameaçador ao velho muquirana – não por acaso já que as cenas que ele apresenta são as mais trágicas da história: a morte do pequeno Tim, com a família Cratchit comovida em torno de sua lápide, e o funeral de Scrooge, que não recebe visita alguma e é caçoado pelas coveiros (em mais um cameo de personagens de Ichabod, desta vez as doninhas). A sequência do cemitério é visualmente fantástica, sem dúvida a mais marcante do curta, em especial quando o velho Ebenezer percebe que está em sua própria cova, e prossegue para escorregar para dentro dela em um vislumbre infernal de seu próprio fim. O irreverente personagem de Bafo interpreta bem o quanto o futuro será implacável com Scrooge, caso ele não mude sua conduta a tempo – o que leva finamente o velhote a implorar pela possibilidade de mudar o rumo das coisas. E assim somos levados à sequência final, onde Scrooge é bem recebido pelos Cratchit, em uma versão um pouquinho mais simplificada do desfecho do conto, trazendo a típica mensagem natalícia de compaixão e amor incondicional para o centro.

Um Conto de Natal do Mickey consegue condensar a história original sem simplificá-la demais ou sequer fazer com que perca qualquer coisa de essencial. Inspirando-se nas alegorias atemporais do conto original, a versão tem êxito ao revesti-las com com o charme do elenco de personagens selecionado e sob a animação de primeira linha dos estúdios da Disney – não por menos muitos dos animadores presentes aqui estariam envolvidos no “renascimento” dos grandes features de animação, que aconteceria alguns anos mais tarde. O resultado é o tipo de obra que deve agradar as mais diferentes faixas etárias, passando uma mensagem que de outra forma poderia ser considerada piegas ou um lugar-comum das produções sobre o tema de Natal, sob uma visão artística precisa e muito bem realizada.

O Conto de Natal do Mickey (Mickey’s Christmas Carol, Estados Unidos – 16 de dezembro de 1983)
Direção: Burny Mattinson
Roteiro: Burny Mattinson, Tony Marino, Ed Gombert, Don Griffith, Alan Young, Alan Dinehart (adaptado do livro “A Christmas Carol” de Charles Dickens)
Elenco (versão original): Alan Young, Wayne Allwine, Hal Smith, Will Ryan, Eddie Carroll, Patricia Parris, Dick Billingsley, Clarence Nash
Elenco (edição brasileira – DVD): Isaac Bardavid, Sergio Moreno, Telmo de Avellar, Garcia Neto, Orlando Drummond, Garcia Júnior, Juraciara Diácovo, José Leonardo, Sílvio Navas, Ionei Silva
Duração: 26 min.

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