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Crítica | O Cisne (2023)

Poética do sofrimento.

por Luiz Santiago
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O escritor Roald Dahl guardou por muito tempo uma notícia de jornal que continha a essência dos fatos que ele acabou transformando no conto O Cisne, em 1976. A trama em questão se passa na Inglaterra, e representa um longo episódio de bullying contra o protagonista, Peter Watson, vivendo em um ambiente de tons marrons e verdes, tentando nutrir um de seus grandes prazeres bucólicos: observar pássaros. Sem força física para lutar contra os valentões (agora armados) Ernie e Raymond, Peter procura usar de sua inteligência e capacidade de convencimento para se livrar dos tormentos. Ele não tem certeza se essas coisas irão ajudá-lo a sobreviver, mas no momento em que a violência acontece, estas são as únicas armas a seu favor.

O Cisne é uma aventura densa. Dirigida com a mesma estética teatral e assumidamente literária que A Maravilhosa História de Henry Sugar — e talvez com os mesmos problemas narrativos a tiracolo, embora com impacto negativo menor –, a obra trabalha a maturidade de Peter Watson nessa forja social opressora, onde ele é forçado a situações mortais, mas consegue sair vivo de cada uma delas, embora acompanhado de traumas cada vez mais detalhados. Nas entrelinhas, o roteiro de Wes Anderson coloca uma discussão sobre a beleza das coisas simples e sobre a liberdade e a responsabilidade que vem com ela, linha que servirá para que a interessantíssima finalização do filme siga por uma vereda plenamente poética.

No sentido de despertar para uma nova situação, e pensando no que acontece com o majestoso animal do título, não pude deixar de pensar também e As Margens da Alegria (1962), de João Guimarães Rosa, onde uma criança é para sempre marcada por um evento de morte de um animal. No presente curta, que adapta um conto de Roald Dahl, a inocência não existe, e em seu lugar, reinam interesses e instintos diferentes por parte dos meninos protagonistas. Peter é o admirador de pássaros, o inteligente, sensível e fisicamente abusado; enquanto Ernie e Raymond, apesar das sutis diferenças em suas personalidades, são os algozes do colega imaginativo. A força bruta e a existência pacífica encontrando-se em uma história que parece seguir por um caminho de aprendizagem, mas que termina num realismo cruel, com sequelas para toda a vida.

SPOILERS!

Li alguns comentários em redes sociais, de pessoas interpretando o final do curta como se mostrasse a morte de Peter Watson. Mas não é isso que acontece. Note que temos dois atores interpretando o personagem: Asa Jennings (Peter criança) e Rupert Friend (Peter adulto), portanto, não é possível tenhamos uma morte do menino, caso contrário, não ele se tornaria um homem. No entanto, existem vários tipos de morte, além da física. E neste ponto, sim, é possível interpretar aquele tiro como algo que matou, para sempre, alguma coisa no personagem. Tanto que o “morto”, em cena, é o homem, e não o garoto. Os valentões da infância de Peter conseguiram matar algo que, anos depois, ele só consegue mesmo ter lembranças. Não há mais a manifestação desse prazer, desse encanto infantil em sua vida adulta. Ao contrário. A lembrança lhe traz raiva, melancolia e consternação.

A poesia de O Cisne nos fala de experiências traumáticas, especialmente no campo da violência, que sempre irão nos acompanhar. Qualquer um que tenha sofrido bullying em alguma fase da vida, conseguirá ver aqui o momento em que Peter cria os seus primeiros muros diante do mundo; tem o seu primeiro enfrentamento verbal; e vê sua coragem posta à prova, sendo punido ainda mais por isso. Por indivíduos cuja crueldade banal se torna um verdadeiro prazer para eles. E uma marca definitiva para quem sofreu essas “brincadeiras”.

O Cisne (The Swan) — EUA, 2023
Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson (baseado em obra de Roald Dahl)
Elenco: Ralph Fiennes, Rupert Friend, Asa Jennings, Eliel Ford, Truman Hanks, Benoît Herlin, Octavio Tapia
Duração: 17 min.

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