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Crítica | O Cidadão do Ano

por Luiz Santiago
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O que um pai poderia fazer para vingar a morte de um filho? Esta é a pergunta principal que o espectador deve ter em mente ao iniciar a sessão de O Cidadão do Ano (2014), um curioso exercício cinematográfico com forte exposição de violência, humor ácido e relações humanas disfuncionais em várias esferas sociais.

Nils Dickman (Stellan Skarsgård) é um homem bastante respeitado em sua comunidade, no interior da Noruega. Ele é o “cidadão do ano” do título e protagoniza o grande plano de vingança que a obra acompanha compassadamente, alternando os pontos de vista, intercalando violência gráfica com humor amargo, fazendo-nos nos lembrar de Fargo (1996), Tarantino e, acreditem, de um subgênero do Western, o Northern, refigurado de uma maneira bem incomum, especialmente na excelente sequência de tiroteios ao final, e nas grandes panorâmicas sobre paisagens cobertas de neve que vemos o “cidadão do ano” percorrer, não a cavalo, mas dirigindo o seu limpa-neve pela estrada.

Sendo uma história de vingança, fica claro para o espectador que o gênero pelo qual o filme foi vendido — comédia — não estará em evidência, ou pelo menos não como se imagina que estaria. Aqui, a abordagem cômica é irônica e provocativa (inclusive nas manifestações xenófobas que aparecem em dado ponto do enredo), trazendo a dor da perda de um filho de um lado, e do outro, um gângster vegano, manhoso e impiedoso ao mesmo tempo e com uma relação no mínimo curiosa com seus empregados e família — o filho e a ex-mulher. É como se Kim Fupz Aakeson tivesse pensado em mostrar, em igual medida, a máscara criminosa do Conde e também a sua vida íntima, cheia de idiossincrasias, como fazer suco de cenoura para seus empregados, levar café e pãezinhos para eles ou matar algum apenas porque não gostou da resposta para uma ação de emergência contra uma gangue rival.

O filme anda bem a maior parte do tempo, mas tropeça em grande estilo no desfecho. De maneira súbita e incompreensível, a trama desacelera (e isso após um ágil e muitíssimo bem coreografado tiroteio na neve), apresentando uma montagem aleatória à guisa de “conclusão parcial para deixar que o espectador tire suas próprias conclusões”.

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A grande conquista de O Cidadão do Ano é o primoroso trabalho de câmera e iluminação de Philip Øgaard. O fotógrafo conseguiu criar um ambiente opressivo manipulando a regra básica do contraste para filmagens em cenários com neve. A paleta de cores que ele explora é majoritariamente fria, entre tons negros e cinza ou azuis, dando a impressão ainda maior de isolamento e, em determinadas cenas, abrindo para uma “felicidade” de cores quentes que é visivelmente uma ironia, vide a casa do irmão de Nils que aparece em um momento do roteiro indicando uma morte certeira adiante. O desenho de interiores também adota o mesmo padrão da fotografia, valendo-se de cores fora do padrão neutro ou frio como uma indicação cínica em relação a um determinado momento da história.

Stellan Skarsgård (Nils) e Pål Sverre Hagen (Conde) são os grandes destaques do elenco de O Cidadão do Ano. Eles seguram as pontas dramáticas de partes distintas e incorporam ações que se afunilam do meio para o final do filme, onde passam a lidar com um mal aproveitado — mas mesmo assim interessante — Bruno Ganz (Papa) e um filho (Jack Sødahl Moland) que de maneira um pouco repentina mas ainda assim válida, recebe destaque na obra.

O Cidadão do Ano é uma comédia violenta sobre a educada e estilosa máfia multi-étnica de algum lugar da Noruega. O longa garante uma boa sessão e, mesmo que deixe o espectador questionando as escolhas da direção para o desfecho, irá agradar, se não no enredo, ao menos pelas atuações ou pela notável fotografia. E se isso não bastar, é bom ter em mente que não é sempre que vemos uma chacina abordada com humor sobre em um cenário coberto de neve, cartelas negras para indicar as (muitas) mortes e um gângster que seria um prato cheio para Freud.

O Cidadão do Ano (Kraftidioten) — Noruega, Suécia, 2014
Direção: Hans Petter Moland
Roteiro: Kim Fupz Aakeson
Elenco: Kåre Conradi, Huyen Huynh, Anders Baasmo Christiansen, Adil Halitaj, Jan Gunnar Røise, Peter Andersson, Stig Henrik Hoff, David Sakurai, Kristofer Hivju, Miodrag Krstovic, Arthur Berning, Jakob Oftebro, Leo Ajkic, Bruno Ganz, Sergej Trifunovic
Duração: 116 min.

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