Embora tenha uma carreira relativamente prolífica, o diretor Mario Bava ficou conhecido principalmente por suas obras de terror. O cineasta italiano trabalhou com diferentes vertentes do gênero em sua carreira, tendo começado justamente com o terror gótico, ao qual retornou diversas vezes, sendo uma delas este ótimo longa metragem de 1966.
Na trama, situada em 1907, o Doutor Paul Eswai (Giacomo Rossi Stuart) é chamado até a pequena aldeia de Karmingan, nos Cárpatos para fazer a autópsia de uma mulher que morreu em circunstâncias misteriosas. Lá, Paul encontra aldeões supersticiosos, que se negam a falar sobre o que ocorreu, conseguindo algum apoio apenas na figura de Monica Schufftan (Erika Blanc), uma jovem estudante de medicina, que voltou recentemente a aldeia após anos fora. Logo, novas mortes começam a acontecer, e tudo parece relacionado a uma antiga maldição que assombra a aldeia, relacionada à figura fantasmagórica de uma menina.
O Ciclo do Pavor é mais um excelente trabalho de Mario Bava. O diretor manipula lindamente diversos clichês do cinema de horror clássico como a mansão assustadora, os rituais de bruxaria, o cemitério enevoado, os aldeões assustados, as fortes ventanias que abrem portas e janelas e por ai vai; para criar uma atmosfera sufocante e perturbadora para o filme. A sequência em que o protagonista desesperado, corre pela aldeia no meio da noite junto com Monica pedindo a ajuda dos aldeões, que covardemente o ignoram, é um exemplo de como Bava sabia usar de todos os elementos do cinema clássico de horror de forma extremamente eficiente.
E ao mesmo tempo em que admirava e referenciava o passado do cinema de horror, Bava foi um visionário por conseguir criar uma série de tendências. Se em Seis Mulheres Para o Assassino, o cineasta italiano plantou a semente do Giallo, fazendo o mesmo pelo slasher com o posterior Banho De Sangue, em O Ciclo Do Pavor, o diretor antecipa em décadas uma grande recorrente do thriller sobrenatural, onde o espírito de uma criança volta do além para se vingar de tudo e de todos, com filmes como O Chamado (Ringu) bebendo direto desta fonte. A risadinha dada pelo espirito da menina Melissa (Valerio Valeri, de fato um menino), que antecipa suas aparições é arrepiante, com o diretor valorizando cada segundo da construção de terror até revelar o seu espírito monstruoso.
Bava também se esbalda ao criar passagens tanto narrativas quanto estéticas que flertam fortemente com o surrealismo, o que dá ao projeto um clima de pesadelo pra lá de interessante. Exemplos é o que não faltam, como a cena em que o protagonista tenta diversas vezes sair de uma sala, apenas pra descobrir que continua no mesmo cômodo assim que passa pela porta, ou a sequência em que Bava filma em plongée Monica descendo uma escada em caracol da qual não se vê o fundo e que simplesmente não termina. As passagens situadas dentro da sinistra Mansão Graps, que parece a fonte de todo o mal que assombra a aldeia, são dignas de nota por abraçar de vez a atmosfera onírica perseguida pela obra; ao adotar uma levíssima paleta multicolorida em seu desenho de luz, que confere uma identidade de irrealidade ao local.
Em resumo, vale muito a pena conferir mais este trabalho de Mario Bava. Trata-se de uma história clássica de fantasma, que mesmo abraçando com gosto os seus signos mais tradicionais esteve à frente do seu tempo na forma como tais signos foram trabalhados por seu diretor. Com um clima que mistura a atmosfera gótica que se encontraria nos clássicos da Universal; aliado a um estilo de terror que remete ao onírico e ao surreal, O Ciclo do Pavor é uma obra de terror elegante, que envelheceu muito bem, e que vista hoje, volta a mostrar o quanto o trabalho deste diretor italiano foi influente dentro do gênero.
O Ciclo Do Pavor (Operazione Paura) – Itália, 1966
Direção: Mario Bava
Roteiro: Mario Bava, Romano Migliorini, Roberto Natale
Elenco: Giacomo Rossi-Stuart, Erika Blanc, Fabienne Dali, Pierro Lulli, Luciano Catenacci, Micaela Esdra, Franca Dominici, Mirella Pamphili, Valerio Valeri
Duração: 85 Minutos