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Crítica | O Céu se Enganou

Falando de amor, Emile Ardolino dirige um drama romântico explorando as tristezas e as felicidades de seguir em frente.

por Fernando JG
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Louis Jeffreys (Robert Downey Junior) é um bem-sucedido advogado que acaba de se casar com Corinne (Cybill Shepherd), por quem é perdidamente apaixonado. No dia seguinte após ter a notícia de que Corinne está à espera de um filho seu, Louis morre num acidente de trânsito, deixando a esposa. Seu melhor amigo, Phillip (Ryan O’Neal), acaba assumindo a paternidade da criança, mas sem qualquer envolvimento amoroso com Corinne, que o vê apenas como um grande amigo de longa data. Passados 20 anos desde o ocorrido, Louis volta à Terra no corpo de Alex, um jovem de 23 anos, reencarnando na tentativa de recuperar sua vida de volta, mas tudo já estava diferente demais para que o passado pudesse voltar ao presente. 

A grande questão é que no retorno de Louis como Alex na figura de um jovem universitário ocorre algo absurdamente não planejado. Depois de tantos anos, a filha do casal já cresceu e está prestes a graduar-se na faculdade. Jovem, bonita, inteligente. Alex se vê às voltas de uma paixão com sua “suposta” filha. Sim, ele apaixona-se por ela e não sabe como resolver a situação. Mas não apenas sente-se atração por Miranda (Mary Stuart Masterson) mas também por sua mãe, Corinne, a viúva – sua esposa na “vida passada”. 

O filme é um aglomerado de aventuras e misturas cômicas e românticas, flertando vez ou outra com um determinado pastelão do gênero, mas buscando se assegurar majoritariamente num estilo sóbrio característico da dramédia. O toque oitentista do filme lhe confere uma postura elegante, com uma trilha sonora nostálgica e emblemática cantada por Peter Cetera e Cher. After All, a canção indicada ao Oscar de Melhor Canção Original, tematiza bem as questões levantadas ao longo do filme de Emile Ardolino (Dirty Dancing, Mudança de Hábito). 

A direção de Emile Ardolino é, como sempre, bem lúdica, de fácil apreensão, e parece que seu gênio criativo não tinha dificuldades em expressar os afetos de modo a transmitir ao público um determinado aconchego e conforto fílmico. Seus filmes, embora simples, são cheios de vida, beleza, esperança e amor. Tudo converge como se a vida real pudesse sempre nos entregar soluções possíveis diante do impossível. Assim é O Céu se Enganou

O roteiro da dupla Randy e Perry Howze sabe exatamente onde quer chegar a intriga fílmica e por isso os arcos narrativos do triângulo amoroso são tão bem desenvolvidos e de maneira uniforme, diria. Agora, se todos concordam, há uma constante perseguição pela reviravolta, isto é, no momento que Louis volta a ter contato com a família, ficamos apreensivos quanto a sua descoberta, mas não de maneira gratuita. O filme nos induz ao sentimento de que a qualquer instante tudo será descoberto. Louis repete, sistematicamente e de maneira inconsciente, os mesmos atos de fala, os mesmos gestos que o falecido Louis: coloca o sal na comida de uma determinada maneira, pega os objetos de modo específico, ora ou outra dá uma gafe expressando algo que apenas Jeffrey poderia saber etc. Isso provoca uma espécie de agonia pelo momento da descoberta.

A perspectiva de Philippe é talvez a mais cruel. O melhor amigo de Louis fora, assim como o falecido amigo, perdidamente apaixonado por Corinne, que acabou se casando com Louis Jeffrey. Ele, na friendzone, aceita a contragosto a sina trágica que recai sobre si e contenta-se em estar sempre por perto, apenas vendo, sem poder tocá-la. Mesmo após a morte do marido, tragédia que a fez viúva, ele nunca obteve a chance de sequer realizar sua paixão mais ardente. Aceita, por isso, cuidar da filha de Corinne e com isso torna-se uma espécie de “padrasto”, morando na mesma casa que seu grande amor mas sem nunca poder tê-la. 

O enredo, no entanto, nem sempre é cruel, apesar de deixá-lo esperando durante 23 anos por seu primeiro beijo com sua amada. Quando finalmente Alex revela-se como reencarnação de Louis, as coisas saem do lugar. Pela ética e moral, rejeita continuar a “paixonite” que tem por sua “própria filha” e parte para cima de Corinne, que entrega-se a ele com a felicidade de ter seu falecido marido de volta. Mas nem tudo sai como o esperado, afinal, Corinne entende que, mesmo que retorne, Alex nunca poderá ser Louis, mesmo que reencarnado e assim o rejeita. 

A resolução dramática se dá através da compreensão de que somos o que somos apenas nesta vida. Morrendo e renascendo, nunca poderemos recuperar quem fomos, nem continuar uma história rompida pela metade. Alex não é Louis, o marido de Corinne. Ele morreu. Sendo assim, nascendo uma outra pessoa, mais jovem, pode e deve deixar se apaixonar por aquela que acreditou ser sua filha. Ela, nesta perspectiva, não é sua filha porque ele não é Louis, mas Alex: renascido em outra família, com outros pais, num outro tempo e contexto. Não pressupõe, a reencarnação, continuar a mesma vida, mas uma outra. E para isso os elos são todos cortados para a construção de novos elos. A solução da trama é inteligente e agrada pela naturalidade com que enfrenta os dilemas próprios do filme.

O bem-humorado filme protagonizado por Robert Downey JR, Cybill Shepherd e Ryan O’Neal dá certo não apenas pelo roteiro que deu forma a um enredo ingênuo e romântico – ambos bem estruturados -, mas sobretudo pela sintonia que se estabelece entre os atores durante as cenas. A grande lição que o filme nos oferece diz respeito sobre viver o presente da maneira que ele se apresenta e deixar de lado a busca infrutífera de um suposto passado glorioso e nostálgico. Viver a vida é também saber o momento certo de seguir em frente e com isso criar novos vínculos, novas histórias e novas memórias. 

O Céu se Enganou (Chances Are, EUA, 1989)
Direção: Emile Ardolino
Roteiro: Randy Howze, Perry Howze
Elenco: Cybill Shepherd, Robert Downey Jr., Ryan O’Neal, Mary Stuart Masterson, Christopher McDonald, Kathleen Freeman, Mimi Kennedy, Gianni Russo, Josef Sommer, Joe Grifasi, Henderson Forsythe, Fran Ryan, James Noble, Marc McClure
Duração: 108 min.

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