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Crítica | O Céu da Meia-Noite

por Ritter Fan
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O Céu da Meia-Noite, sétimo filme dirigido por George Clooney, lida essencialmente com a solidão e a mortalidade tendo como pano de fundo um cenário apocalíptico. É, também, o retorno do cineasta à temática espacial que, como ator, visitou outras duas vezes, no remake de Solaris e em Gravidade. Mas o longa é, na melhor das hipóteses, irregular, transitando de maneira errática entre um sólido drama psicológico que chega a deixar entrever seu potencial e uma aventura espacial divertida, mas ordinária. É, mais do que talvez o próprio Clooney quisesse, um filme dois-em-um sem conseguir sem completamente uma coisa ou outra.

Na primeira história, acompanhamos Clooney como o astrônomo moribundo, solitário e extremamente barbado Augustine que, entre uma sessão e outra de hemodiálise em uma base isolada no Ártico, tenta comunicar-se com a nave Æther que retorna de uma missão a K-23, uma lua de Júpiter que pode abrigar vida humana, para avisar que a Terra não é mais habitável em razão de um cataclismo e que os astronautas precisam retornar. Descobrindo que, na verdade, não está sozinho, Augustine passa a conviver com a silenciosa menina Iris (Caoilinn Springall), com quem aos poucos forma fortes laços que são testados quando os dois precisam partir em uma jornada pelo gelo para alcançar uma outra base com uma antena mais potente.

Essa história, que conta com flashbacks para quando Augustine era mais jovem (com a troca de Clooney por Ethan Peck), ganha contornos pessoais e, com uma melancolia onipresente que Clooney captura muito bem em seu olhar perdido, saudoso, quase arrependido, é o que recheia o longa de significados e de belos momentos na vastidão gelada. O grande problema é que esse filme sobre um homem e uma menina sozinhos no Ártico precisa competir por espaço com o segundo filme, que conta com outro elenco e que, a não ser nos minutos finais, não tem conexão direta o primeiro.

Nele, a astronauta grávida Sully (Felicity Jones) tenta desesperadamente entrar em contato com a Terra, falhando miseravelmente. Ela e seus quatro colegas – o Comandante Adewole (David Oyelowo), Maya (Tiffany Boone), Sanchez (Demián Bichir) e Mitchell (Kyle Chandler) – continuam suas rotinas, mas, claro, ficam cada vez mais preocupados, conjecturando o que pode ter acontecido para todas as transmissões falharem, sem explicitamente verbalizarem o pior, ainda que esse seja muito claramente o pensamento dominante entre eles. Como o longa se passa em 2049, o design de produção usa esse intervalo de tempo para criar uma nave futurista, mas convincentemente realista que é explorada cinematograficamente por Clooney, contando com um CGI que, com exceção do pesadelo inicial de Sully, é competente o suficiente para não quebrar a imersão.

A questão é que essa história 100% espacial é padrão, do tipo que já vimos antes diversas vezes, com direito até mesmo ao uso perfeito de Sweet Caroline, o que não seria particularmente ruim se ela acrescentasse algo ao conjunto narrativo e à história de Augustine na Terra. Um defeito faz a nave desviar seu curso, obrigando a tripulação a plotar uma nova trajetória que faz a nave passar por uma seção do espaço não mapeada, o que leva aos obrigatórios meteoritos e consertos no exterior da Æther. Tudo é muito competente, não se enganem, com a sequência final desse passeio espacial sendo particularmente tensa e bem executada, mas é inafastavelmente algo que detrai do todo porque a linha mestra é a do personagem de Clooney e não o contrário. Há, lógico, algumas revelações e reviravoltas, mas não é nada que o espectador mais acostumado com longas dessa natureza já não perceba de início sem grandes esforços.

Com isso, o roteiro que Mark L. Smith adaptou a partir do romance que Lily Brooks-Dalton publicou em 2016 se auto-sabota primeiro ao não dar o espaço que a narrativa de Augustine merecia e, depois, ao não fornecer razões maiores para que o lado da “ação espacial” de Sully e demais astronautas realmente se justifique para além de utilização – que acaba sendo excessiva, devo acrescentar – de minutagem. E olha que Smith se dá ao trabalho de caracterizar corretamente cada um dos cinco viajantes espaciais de forma que nos importemos por seu destino, mas tudo acaba sendo razoavelmente em vão pela falta de entrelaçamento verdadeiro entre as duas pontas narrativas que ultrapassasse o mero “momento climático” que faz as peças todas se encaixarem no lugar e que também ganha flashback para deixar tudo bem explicadinho para quem porventura tivesse cochilado no sofá.

Clooney deveria ter escolhido que filme queria realmente fazer. Ao decidir seguir o caminho duplo, o diretor e ator puxa o tapete sob seus próprios pés, obrigando-se a reduzir a odisseia gelada de Augustine que poderia ser o grande diferencial narrativo para abrir caminho para uma abordagem de blockbuster hollywoodiano. Ainda há o que aproveitar da atmosfera que o cineasta consegue criar, especialmente em tempos de pandemia, mas havia potencial para muito mais.

O Céu da Meia-Noite (The Midnight Sky – EUA, 23 de dezembro de 2020)
Direção: George Clooney
Roteiro: Mark L. Smith (baseado em romance de Lily Brooks-Dalton)
Elenco: George Clooney, Ethan Peck, Felicity Jones, David Oyelowo, Tiffany Boone, Demián Bichir, Kyle Chandler, Caoilinn Springall, Sophie Rundle, Tim Russ, Miriam Shor
Duração: 118 min.

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