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Crítica | O Castigo (2022)

Maternidade em xeque.

por Ritter Fan
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Para punir uma malcriação de seu filho de sete anos enquanto ela estava dirigindo, uma mãe – com concordância relutante do pai – deixa a criança à beira de uma estrada deserta que corta uma densa floresta chilena e segue viagem por dois minutos, o suficiente para perdê-lo de vista, retornando em seguida para buscá-lo, na esperança de que ele tenha aprendido a lição. É assim que O Castigo começa, jogando no colo do espectador uma questão que imediatamente causa choque e repulsa, colocando a mãe sob os holofotes como uma criminosa que acabou de ser pega pela polícia.

E, claro, para pior, o menino não está mais quando seus pais voltam, com a busca imediata restando infrutífera a ponto de a polícia ser chamada. Começa, então, o castigo não do filho, mas dos pais, em um longa em tempo real filmado em uma tomada só de pouco mais de 80 minutos – estou aceitando as afirmações da produção aqui, sem julgar, pois detectar a veracidade desse tipo de informação apenas assistindo um filme com a tecnologia hoje disponível para costurar cortes é uma tarefa próxima do impossível – em que Matías Bize, o diretor, faz do silêncio uma arma, e da idílica paisagem arbórea um instrumento de tortura a cada segundo em que o pequeno Lucas não está com os pais.

Sequências alongadas sem cortes tornaram-se moda, como todo mundo sabe, mas, também como todo mundo sabe, raras são tomadas em verdadeiros takes únicos, especialmente porque esses planos sequências tornaram-se cada vez mais elaborados, frenéticos, complexos e repletos de ação ininterrupta de causar cefaleia mesmo nos espectadores mais resistentes. Filmes inteiros então, nem se fala, pois eles ainda podem ser contados nos dedos. A grande qualidade de O Castigo é que ele até pode usar esse artifício chamativo para “se vender” e atrair atenção, mas Bize não abusa da técnica e mantém sua câmera quieta, ainda que não exatamente parada, sem invencionices, piruetas e bombardeios visuais. O cineasta faz um filme propriamente dito e não meramente algo para mostrar suas proezas na cadeira de diretor como.

E, com isso, ele abre espaço para que Antonia Zegers, que vive Ana, a mãe, realmente atue, mostrando primeiro um calma sobrenatural, com o desespero, então, começando a bater à porta vagarosamente, somente para que tudo venha a explodir não da maneira que o espectador espera, mas sim como uma discussão sobre a maternidade em si, sem o verniz bonito que a sociedade impõe, mas sim, talvez, dando vazão ao que muitas mães realmente pensam lá no fundo. É bem verdade que esse ponto de ebulição só ocorrendo nos três ou quatro minutos finais da projeção e o que segue, daí, é um final abrupto, que não expande, o assunto, mas o que importa, realmente, é que o roteiro escrito por Coral Cruz é potente e talvez seja ainda mais por ser direto, franco, frio e doloroso. Não se trata de um tratado sobre a maternidade como é A Filha Perdida, claro, pois a escolha da tomada única impede maiores elucubrações, mas a roteirista é bem sucedida em criar um “compacto” desse tabu que ninguém gosta de sequer mencionar, que é a mãe que não faz as pazes com o “ser mãe”, o que justifica plenamente toda a construção dos 80 minutos anteriores.

O Castigo castiga filho, pai, mãe e os espectadores de maneiras bem diferentes e, no final das contas, dividirá opiniões em seu aspecto central. A tomada única é, sem dúvida alguma uma qualidade técnica a ser laureada no longa, mas é o dilema exposto por Ana ao final que ecoará na mente de todos e que tem o potencial de tornar esse filme mais memorável do que muitos podem esperar.

O Castigo (El Castigo – Chile/Argentina, 2022)
Direção: Matías Bize
Roteiro: Coral Cruz
Elenco: Antonia Zegers, Néstor Cantillana, Catalina Saavedra, Yair Juri, Santiago Urbina
Duração: 85 min.

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