O futebol é um turbilhão de emoções. É possível ser amado e idolatrado por uma multidão e, de um dia para o outro, passar a ser odiado com o mais profundo furor. Não é uma tarefa simples, claro, já que é necessário um ato de traição ou algo com similar gravidade. Foi o que considerou a torcida do Barcelona quando o jogador Luís Figo trocou o clube pelo Real Madrid, maior rival dos catalães, no início dos anos 2000. A transferência foi a mais cara da história na época, girando em torno de 60 milhões de euros e envolvendo até mesmo a política dos clubes, que estavam em período eleitoral. Novo documentário da Netfilx, O Caso Figo: A Transferência que Mudou o Futebol aborda, mais de 20 anos depois, toda a repercussão, a exposição e os sentimentos envolvidos de todos os lados e tenta explicar o que aconteceu.
Digo tenta porque é como o documentário escolhe contar a história. A direção de David Tryhorn e Ben Nicholas até inicia flertando com um filme propaganda para que Figo exponha sua versão sem contrapontos, mas, felizmente, ocorre o oposto. Entre trechos de momentos do jogador dentro e fora de campo, diversos personagens daquele episódio são apresentados aos poucos, sendo entrevistados todos no mesmo ambiente. O local é extremamente simples, somente com uma cadeira e um fundo escuro, com uma iluminação amarelada ajudando a construir uma atmosfera intimista, como se fosse um espaço seguro para serem verdadeiros.
Pep Guardiola, Roberto Carlos, Fernando Hierro, Florentino Pérez, Joan Gaspart, Lorenzo Sanz e, obviamente, Luís Figo são algumas das figuras ligadas diretamente a um dos clubes (ou ambos) que se sentaram naquela cadeira para dar suas versões. Não os únicos, porém, já que há um destaque bastante grande para alguns jornalistas espanhóis, como José Félix Díaz e José Ramón de La Morena, que participaram da cobertura daquele evento, aproximando a obra do trabalho jornalístico. Uma decisão consciente da direção, já que, ao ouvir os relatos dos envolvidos, cada um apresenta a sua versão que acaba quase sempre conflitando com a de outro entrevistado.
Tryhorn e Nicholas utilizam várias vezes desse recurso ao longo da obra. Quando, por exemplo, Figo diz que não sabia da existência de um pré-contrato com o Real Madrid, seguido de um corte em que seu agente, José Veiga, e o então candidato à presidência madridista, Florentino Pérez, afirmam que o jogador sabia do documento, criando um conflito. É recorrente o confronto de versões, o que impossibilita saber quem realmente fala a verdade, indo de encontro ao cotidiano do jornalismo, um trabalho que lida frequentemente com várias verdades sobre o mesmo fato.
Inclusive, a opção por deixar os próprios personagens narrarem os acontecimentos e guiarem a narrativa reforça o intuito da direção de apresentar a situação, mas não de determinar o que aconteceu. É um fato que ocorreu há mais de 20 anos e que, a princípio, seus protagonistas mantiveram suas versões todos esses anos. Portanto, permita que expliquem suas visões, razões e motivos e deixe a audiência decidir no que acredita, sem interferência.
O único porém no filme é quando apresenta a situação dos candidatos à presidência do Real Madrid, ainda no primeiro ato. Usa-se tempo demais da película para abordar os assuntos do clube, alguns muito mais curiosos que benéficos à obra, e termina por escantear o protagonista, passando uma sensação de ser um trabalho sobre Real Madrid e não Luís Figo.
Agora, se Figo acertou ao aceitar trocar um rival pelo outro, se os torcedores do Barcelona estavam com razão ao reagirem tão agressivamente contra o astro, se os métodos usados por Pérez, Veiga e demais envolvidos foram válidos, fica ao critério dos espectadores. Assista O Caso Figo: A Transferência que Mudou o Futebol e tire suas conclusões.
O Caso Figo: A Transferência que Mudou o Futebol (The Figo Affair: The Transfer that Changed Football) — Espanha, Reino Unido, 2022
Direção: Ben Nicholas, David Tryhorn
Roteiro: Ben Nicholas, David Tryhorn
Elenco: Luís Figo, Pep Guardiola, Roberto Carlos, Fernando Hierro, Florentino Pérez, Joan Gaspart, Lorenzo Sanz, José Veiga, José Félix Díaz, José Ramón de La Morena, Paulo Futre, Jorge Valdano
Duração: 105 min.
