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Crítica | O Casal Perfeito (2024)

Há algo de podre no reino de Nantucket.

por Ritter Fan
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Vou confessar logo na largada: quando o terceiro episódio da minissérie O Casal Perfeito acabou, olhei para minha esposa com aquela cara de paisagem que ela interpretou corretamente como sendo de absoluta indiferença para o que eu e ela estávamos assistindo. Não era horrível, mas também não era nenhuma maravilha, apenas mais um whodunnit que se passa na alta sociedade que tem como objetivo fazer com que uma morte seja o catalisador para que verdades profundamente escondidas – e outras nem tanto – venham à tona no seio apodrecido de uma tradicional família milionária que mora em um casarão à beira do mar em Nantucket, algo que já foi feito de maneiras diferentes e melhores algumas várias vezes só nos últimos anos, inclusive uma vez – a primeira temporada, que deveria ter sido a única, de Big Little Lies – com a própria Nicole Kidman no elenco.

No entanto, para minha surpresa, o início cansado e repetitivo da minissérie desenvolvida e comandada por Jenna Lamia com base em romance de Elin Hilderbrand publicado em 2018 começou a sofrer transformações a partir do início do quarto episódio, com a trama tornando-se mais coesa, mais ritmada, mesmo que a estrutura banal de investigações no presente levando a flashbacks continue até o fim e que o roteiro insista em uma miríade de reviravoltas das mais diferentes naturezas que avolumam a narrativa e que nem sempre necessariamente sirvam para o efetivo esclarecimento do mistério, mas que invariavelmente contribuem para deixar manifesta a corrosão na relação familiar e também extrafamiliar daquela evidentemente falsa e forçada harmonia inicial. O que tinha tudo para ser apenas uma minissérie com um bom elenco completamente desperdiçado, ganha ares de algo mais interessante, especialmente quando passa a dar espaço para Liev Schreiber brilhar daquele seu jeito quase tímido de atuar.

Sobre a história em si, vale uma brevíssima sinopse que é uma variação do que escrevi acima: na véspera do casamento de Benji Winbury (Billy Howle), filho dos abastados Tag (Schreiber) e Greer (Kidman), com a “plebeia” Amelia Sacks (Eve Hewson), uma morte revelada apenas nos segundos finais do primeiro episódio e que não revelarei aqui coloca tudo a perder, com a cerimônia sendo cancelada e todos que estão na casa e lugares adjacentes passando a ser suspeitos de uma investigação policial por parte do chefe de polícia local Dan Carter (Michael Beach) ao lado da detetive Nikki Henry (Donna Lynne Champlin) enviada pela polícia estadual de Massachusetts. Entre interrogatórios, conversas veladas, flashbacks na base do conta-gotas e muita intriga e momentos “uau, nossa, nunca imaginei” (com ironia, pois é difícil não imaginar cada um desses momentos, já que a série não prima pela capacidade de esconder suas intenções), a trama vai se enrolando e, depois, desenrolando em meio às críticas à uma aristocracia que só enxerga o próprio umbigo e se acha dona do mundo.

Com ensolaradas filmagens em locação e um constante desfile de figurinos sofisticados mesmo para tomar um suco na cozinha (já que Greer deixa claro seu desgosto por pessoas “desarrumadas”), o ar esnobe da propriedade da família Winbury é perfeitamente capturado pela direção de fotografia e direção de arte que não perde oportunidades para evidenciar visualmente a beleza de todos ali muito claramente escondendo suas sujeiras. E, por escondendo, falo apenas dos segredos mais “secretos”, pois bebidas alcóolicas já pela manhã intercalada por uso aberto de drogas “recreativas” (coloco aspas, pois acho hilário alguém chamar drogas disso) é o padrão absoluto do cotidiano de todos ali, do patriarca aos filhos, passando por agregados.

Em termos de atuação, apesar de um elenco inchado, o maior destaque fica mesmo com Schreiber quando seu personagem finalmente sai da sombra do de Kidman e passa a ser o centro das atenções. Kidman que em algum momento de sua carreira nos últimos 10 ou 15 anos, congelou-se no papel fixo de aristocrata indecifrável de nariz em pé, vive, você adivinhou, uma aristocrata indecifrável de nariz em pé que parece mais um fantasma flutuando por sobre tudo e todos no casarão. Não digo de forma alguma que ela não atua bem, pois ela atua, mas o problema é que seu papel começa de um jeito e… acaba do mesmo jeito, sem variações, sem mudanças que não sejam revelações bruscas tiradas da cartola da showrunner (e provavelmente do livro, pois não o li).

O Casal Perfeito, portanto, é uma minissérie muito longe de perfeita, mas que até que consegue evitar o naufrágio narrativo que sua primeira metade parece indicar. Acaba que Jenna Lamia consegue colocar na telinha uma obra que se refestela com seus clichês e reviravoltas sem exigir muito do espectador além de paciência para chegar à segunda metade, quando as coisas começam a esquentar. Quando o último episódio acabou, minha expressão para minha esposa indicava aquele “ok” básico, certamente um avanço significativo em relação à minha indiferença inicial.

O Casal Perfeito (The Perfect Couple – EUA, 05 de setembro de 2024)
Desenvolvimento e showrunner: Jenna Lamia (baseado em romance de Elin Hilderbrand)
Direção: Susanne Bier
Roteiro: Jenna Lamia, Bryan M. Holdman, Leila Cohan, Courtney Grace, Evelyn Yves, Alex Berger
Elenco: Nicole Kidman, Liev Schreiber, Eve Hewson, Billy Howle, Meghann Fahy, Donna Lynne Champlin, Jack Reynor, Michael Beach, Ishaan Khatter, Sam Nivola, Mia Isaac, Dakota Fanning, Isabelle Adjani, Tim Bagley, Adina Porter, Irina Dubova, Dendrie Taylor, Michael McGrady, Nick Searcy, Thomas Flanagan
Duração: 303 min.

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