SPOILERS!
Há quem diga que Chaplin seria um bom diretor caso ao menos tivesse tentado fazer cinema. Não sou dos radicais que o acham um realizador sem consciência de todos os sentidos e estritamente visual, mas ao assistir O Campeão (e pensando a respeito dos filmes mudos de Vidor) questionei-me porque O Garoto (1921) é um clássico ao contrário do filme de King Vidor. As peripécias de Carlitos geralmente envolvem o mesmo fio condutor das histórias de Vidor (caso o cineasta não tivesse a menor noção de dramaticidade e estética): filmes sobre pessoas cujo objetivos partem duma meta egoísta, ascender na vida, e ressurgem com mais força após o altruísmo falar mais alto, ao tentar ajudar seus semelhantes.
Desde O Grande Desfile (1925) passando por A Turba (1928) e posteriormente O Pão Nosso (1934) ou Guerra e Paz (1956), uma outra característica do diretor é refletida: a dos dramas intimistas escondidos nas pretensões espetaculares montadas por King Vidor, narrativas grandes demais até para as telas de cinema. A Turba senão é a trama de uma pessoa simples atropelada pela vida, mas que naquele anonimato da cidade grande vive uma grande história. Mesmo em grandes filmes envolvendo batalhas e multidões, a sensibilidade do diretor está nos pequenos gestos, nos close-ups, nos momentos de delicadeza.
Voltando ao Campeão, pelo cartaz e pela sinopse do filme se faz parecer que é a história de um boxeador que lida com problemas de alcoolismo e que procura dar a volta por cima. No entanto, o filme é pouco preocupado em explorar a figura do lutador, e reconhece mais a figura de seu filho e como ele lida com o fato de ter um pai falido e fracassado, no declínio de sua carreira. Mesmo o pai sendo visto como uma vergonha por todos, o garoto vê com encanto o pai, e apenas refere-se a ele como “campeão”, por isso o nome do filme, mais sobre esse laço entre o pai e filho, e menos sobre ser um campeão ou não.
A narrativa volta-se mais aos esforços do filho em concretizar essa visão orgulhosa sobre o pai, porque mesmo inconscientemente, não basta ao menino ter o pai como campeão, o pai deve ser um campeão aos olhos do mundo. As lentes de Vidor refletem a ingenuidade infantil que refletem na grandiosidade de cada momento desse filme, dando um ar de frescor e tensão para cada ato, por menor que ele seja. O mundo nos olhos do filho é enorme, mesmo que seja um dia a dia da cama, para o treino, para o bar, e de volta para a cama.
King Vidor, sem querer, inventa o neorrealismo antes mesmo dos italianos. Sem precisar encher seu filme de sentimentalismo e manipulação dramática, tudo leva a emoções muito intensas sem desrespeitar a sensibilidade do público. Seu esforço se dá por sequências muito vivas e reais, como a da corrida de cavalos e a da luta final, que nos vemos no lugar de uma criança, sem controle de nada, mas sem o peso autoritário de um diretor nos insinuando o que sentir.
Na luta final, que seria a grande reviravolta na carreira do boxeador, ele parece estar prestes a ser derrotado. O garoto, entre um round e outro, chega no ombro do pai, e ao contrário do que fez parecer o filme todo, não sabe o que fazer, e começa a chorar desesperadamente. O pai pela primeira vez age como pai tentando acalmar o filho, enquanto o mundo inteiro grita ao redor dos dois. Retomando o que foi dito sobre pequenos gestos, é essa a primeira vez no filme que o garoto, com medo do que vai acontecer, se refere ao pai como “papai”. É arrebatador ver pela primeira vez a angústia no olhar de uma criança que perde a crença no próprio pai, que perde as esperanças no seu maior ídolo, mas o que mais impressiona é como essa situação motivou o lutador. Não é nem preciso contar o final da história.
O Campeão (The Champ) – 1931, EUA
Direção: King Vidor
Roteiro: Frances Marion
Elenco: Wallace Beery, Jackie Cooper, Irene Rich, Roscoe Ates, Edward Brophy, Hale Hamilton, Jesse Scott, Marcia Mae Jones, Dannie Mac Grant
Duração: 86 min.