O musical hollywoodiano nos 60 viveu, se não exatamente uma crise, ao menos um momento de anomalia. Vários grandes filmes continuaram sendo lançados, porém o gênero se limitou a essa mesma grandeza (em produção e recepção), não dando espaço para obras menores, o que significou safras em baixas quantidades. Isso se deu (agora sim) à crise que Hollywood vivia, que fez com que os investimentos se concentrassem em poucas obras e que tivessem retorno garantido — daí o fato de todos os principais musicais dessa época serem adaptações da Broadway, pois já tinham provado o sucesso no teatro. É este o caso de O Caminho do Arco-Íris, uma adaptação de um musical homônimo de 1947. Há, neste filme de Francis Ford Coppola, o êxito (involuntário) de transmitir a situação geral de Hollywood: a decadência do padrão de cinema quadrado e romântico presente até então. Apesar de seu sucesso de bilheteria, O Caminho do Arco-Íris reflete, como nenhuma outra obra, um cinema esteticamente deslocado que ainda existia.
O filme, de maneira meio vaga e intuitiva, me remete muito à outra obra desse mesmo contexto, A Noviça Rebelde. Ele parece tentar capturar a mesma magia e vivacidade idílica presente no trabalho de Robert Wise. E, claro, fracassou miseravelmente. O que era encantador, doce e espirituoso no filme de 1965, torna-se uma jornada enfadonha e absurdamente tosca aqui. Absolutamente todos os lados do filme falham: do misticismo aos problemas sociais, da vida comunitária ao escapismo de seu entretenimento. Tudo soa desleixado e fora do tom. Esses três primeiros itens são enfiados e ‘’desenvolvidos’’ no longa da maneira mais arbitrária possível, como se a narrativa tivesse sido escrita e executada no mais puro improviso. As interações entre os personagens daquela cidadezinha, principalmente na primeira metade, são de causar vergonha alheia com a péssima construção de situações e diálogos — além de sofrerem com um encadeamento precário. Como é um musical, essas interações se dão de forma muito alegre e cordial, mas ver toda aquela comunidade unida cantando, se movimentando e convivendo uns com os outros desperta uma imensa antipatia. Isso se dá porque, por trás de tanta ‘’vida’’, inexiste uma espontaneidade básica ali (quanto menos algo que cative ou fascine); o resultado é sempre, mais uma vez, uma coisa deslocada.
A presença do ultrapassado Fred Astaire contribui para a ideia de filme decadente perdido no tempo — ele possui o pior número musical de todos, em que parece mais falar do que cantar —, dado que o ator era uma estrela máxima dos musicais e da velha Hollywood e aqui consegue ser, no máximo, acima da média. O que não quer dizer nada, posto que as interpretações são outro defeito alarmante da produção. A cantora Petula Clark, que fez muitos papeis mirins, parece ter mantido a mesma abordagem de quando criança, não sendo capaz de injetar sua meiguice com sucesso e tendo, às vezes, uma péssima dicção. Já a pior atuação de todas, sem dúvidas, é a do duende vivido por Tommy Steele. O elenco em geral é cartunesco, mas Steele elevou isso ao ponto mais constrangedor possível. O ator é cheio de trejeitos, histriônico e bem efeminado. O exagero domina todas as suas expressões faciais, corporais e verbais, e o pior momento disso tudo é o seu número musical com crianças — o plano dele voando deitado é o cúmulo do ridículo. As músicas, aliás, não são de se jogar fora, porém parecem ser sabotadas ao estarem inseridas no todo da obra.
O segundo momento mais ridículo de todo o filme é quando o cientista Howard faz a maior cena para entregar uma bebida ao seu patrão Rawkins, enquanto este passa mal, em resposta ao racismo sofrido. Esta temática do racismo não poderia ter sido pior trabalhada. Quando o roteiro não aposta em proselitismo explícito e solto, ele usa uma forma questionável de crítica social, como transformar Rawkins em negro, uma medida burra e de mau gosto que não deixa de dar um caráter pejorativo à pele escura. Outra manifestação de mau gosto é o envolvimento aleatório deste personagem com um grupo gospel de outros negros, algo sem pé nem cabeça. Há destaque negativo também para alguns instantes da direção e da montagem, tais como o bizarro beijo entre Petula e seu parceiro, encarnado por Don Francks, cujo mesmo instante é picotado em vários ângulos diferentes e exibidos numa rápida sequência. Mais um momento ridículo que também envolve ângulo de câmera e que deveria ser cortado na montagem (desta vez, por inteiro) é uma mistura de plano longo, plano detalhe e uma quase câmera subjetiva que mostra uma sirene de polícia e as ruas daquela cidade sendo percorridas. O contraste entre o foco da sirene e as ruas com pessoas ficou nem um pouco simétrico.
É nítido, com tudo isso, que Coppola não estava, nem de longe, artisticamente maduro quando realizou este filme, até porque ele foi feito apenas dois anos depois de seu primeiro longa-metragem. Contudo, é também pouco tempo (quatro anos) que separa O Caminho do Arco-Íris da obra-prima O Poderoso Chefão. Esta, ícone da Nova Hollywood que guarda uma parte da Hollywood clássica. Enquanto isso, o filme em questão se insere temporalmente no período da Nova Hollywood, todavia, não pertence a ela em sua estética. Sobra a cara da Era de Ouro de Hollywood, mas sem nenhuma faísca de seu brilho. Ou seja, o filme de 1972 opera pela síntese, a aproximação de duas conjunturas e estilos; ao passo que o que veio antes encosta nesses dois polos, porém não entra neles realmente, pois é incapaz de ter qualquer consistência estética — portanto não sintetiza, apenas se afasta da força de ambos.
Finian’s Rainbow (O Caminho do Arco-Íris) — EUA, 1968
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: E.Y. Harburg (livro e roteiro), Fred Saidy (livro e roteiro)
Elenco: Fred Astaire, Petula Clark, Tommy Steele, Don Francks, Keenan Wynn, Barbara Hancock, Al Freeman Jr., Ronald Colby, Dolph Sweet, Wright King, Louil Silas
Duração: 141 minutos.