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Crítica | O Bebê

Maternidade posta à prova.

por Ritter Fan
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Sob qualquer ponto de vista, mesmo o de mulheres que ardentemente a desejam, maternidade não é algo fácil ou trivial. É sem dúvida lindo a ponto de ser provavelmente indescritível principalmente para as mães, mas fácil é algo que passa muito longe de se ter um filho e criá-lo com amor, carinho e dedicação. Por outro lado, maternidade é quase sempre encarada pela sociedade como uma espécie de obrigação da mulher, sua inescapável função neste mundo em que vivemos e isso cria uma série de ônus que recaem exclusivamente sobre seus ombros, o que por vezes acaba convertendo algo que tinha tudo para ser sensacional em um fardo.

E, nessa toada de mandamento da sociedade é que é consideravelmente raro encontrar obras audiovisuais que lidam com a maternidade como algo negativo. Há um tabu em se olhar para a questão com olhar reprovador ou sequer realista, retirando o verniz de conto de fadas e encarando a coisa como ela de fato é, uma mistura de bênção e maldição, especialmente quando a mãe não tem para onde correr em termos de ajuda ou meramente o apoio de alguém do seu lado. Recentemente, a matéria foi delicada e sensacionalmente abordada em A Filha Perdida, filme criminosamente ignorado na temporada de premiações e, agora, ela volta na forma de uma minissérie britânica da HBO que, na superfície, é uma comédia que lida com um bebê endemoniado que literalmente cai no colo de Natasha Willams (Michelle de Swarte), uma mulher de 38 anos que vive um dia de cada vez, sem nenhum tipo de plano de longo prazo ou obrigações que a ancorem em um lugar.

O bebê, vivido pelos gêmeos Albie Hills e Arthur Hills, conecta-se com Natasha de tal forma que ele exige dela dedicação absoluta, promovendo a morte – sim, a morte – de todos aqueles que de alguma maneira ameace separá-lo de sua “nova mãe”. A pegada de “bebê fofo assassino” é refrescante e cativante logo em seus primeiros minutos, com a cada vez mais exasperada e perdida mãe precisando lidar com um literal mundo novo de um minuto para o outro, o que inclui lidar com suas amigas com filhos, sua irmã que desesperadamente quer adotar um e sua própria mãe que a abandonou em tenra idade. Os roteiros, portanto, inteligentemente quebram a maternidade em pedacinhos para tratar de cada um de seus aspectos, desde mães tão dedicadas que basicamente vivem para seus bebês até outras que largaram suas crias com o pai de uma hora para outra.

No entanto, essa abordagem interessante e estranhamente cômica tinha enormes chances de se tornar repetitiva muito rapidamente, mas Lucy Gaymer e Siân Robins-Grace, responsáveis pela criação e condução da série, pareciam cientes disso, já que, não demora, e o lado da origem do bebê sobrenatural passa a ser abordado a partir da introdução de uma desgrenhada senhora de 73 anos vivida por Amira Ghazalla que há 50 anos vive em seu carro seguindo a trajetória do bebê e de suas várias mães. É através dela que a série, pelo menos no que me toca, perde quase que completamente seu humor e revela seus verdadeiros dentes, sua verdadeira crítica social, convertendo-se não em série de horror, ainda que obviamente haja esse flerte, mas sim em um drama pesado sobre o papel da mulher em uma sociedade dominada por homens.

O episódio que diretamente lida com a trágica história do bebê é doloroso e pesado e, em última análise, transformativo, transformando O Bebê em algo a ser levado a sério por quem quer que o assista. Nele, vemos preconceito, violência, dominação, subserviência e cárcere privado, tudo em prol da suposta obrigação da mulher em ter filhos e, mais do que isso, amar seus filhos incondicionalmente. A mudança é, diria, radical e até abrupta, mas é ela que retira a série da categoria de algo engraçadinho, mas superficial e a coloca em um patamar consideravelmente mais sério e difícil de lidar ao justamente desafiar o conceito de maternidade.

Michelle de Swarte está muito bem em seu protagonismo, com sua transformação ao longo dos razoavelmente curtos oito episódios sendo não só crível como também bem construída e trabalhada, ainda que por vezes a atriz pareça ter dúvidas sobre a natureza de sua personagem, se uma “mãe atrapalhada” ou uma “mãe agoniada”. Mas essas dúvidas, se pensarmos bem, vem do próprio DNA da série, que carrega sua ambiguidade de gênero até sua metade, quando vem a mudança, pelo que não há muito o que falar negativamente de seu trabalho dramático. A sofrida senhora vivida por Amira Ghazalla é que parece uma caricatura, mas mesmo ela faz sentido quando conhecemos os detalhes de seu passado.

O Bebê não é exatamente uma minissérie complexa ou revolucionária, mas ela não se contenta em simplesmente seguir o caminho mais viajado que sua premissa parece indicar. Ao contrário, ela desafia o espectador a lidar com suas pré-concepções do que é ser mãe e catapulta a história para um patamar desconfortável, por vezes até desagradável que ecoar o grito mudo de desespero de muitas mulheres por aí. E é por isso, principalmente, que ela vale ser mais conhecida.

O Bebê (The Baby – Reino Unido, de 24 de abril a 12 de junho de 2022)
Criação: Lucy Gaymer, Siân Robins-Grace
Direção: Nicole Kassell, Stacey Gregg, Faraz Shariat, Ella Jones
Roteiro: Siân Robins-Grace, Sophie Goodhart, Susan Soon He Stanton, Kara Smith, Anchuli Felicia King
Elenco: Michelle de Swarte, Amira Ghazalla, Amber Grappy, Albie Hills, Arthur Hills, Patrice Naiambana, Sinéad Cusack, Shvorne Marks, Isy Suttie, Tanya Reynolds, Seyan Sarvan, Karl Davies, Divian Ladwa
Duração: XXX min. (oito episódios)

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