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Crítica | O Banho do Diabo

A doença e a salvação.

por Felipe Oliveira
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Conhecidos pelo perturbador Boa Noite, Mamãe, Veronika Franz e Severin Fiala retornam com um longa diferente das características que marcaram seus primeiros trabalhos, isto é, um terror psicológico que tinha o choque visual como ápice. O que se destaca em O Banho do Diabo é o trabalho de pesquisa minucioso que a dupla de cineastas austríacos consultaram para contar, esse que é um dos diversos casos de terror experimentados por mulheres no século 18. Nesse sentido, Des Teufels Bad se faz um de seus filmes mais inspirados ao deixar a história ser sentida aos poucos ao apresentar Agnes (Anja Plaschg), uma jovem mulher que após seu casamento passa a vivenciar um pesadelo psicológico e emocional ao não se encaixar no papel esperado como esposa e mãe numa comunidade patriarcal e religiosa. É interessante observar como a cena de abertura serve como um prólogo que será explorado através da protagonista, e para isso, há toda uma mudança visual e atmosférica que irá acompanhar esse espiral emocional. 

Para um filme de terror psicológico, Franz e Fiala buscam o horror através da própria história, seguindo a perspectiva de sua protagonista. Dessa forma, há um horror feito de forma experimental, letárgico e melancólico. O que a dupla faz aqui é trazer um recorte realista, ainda que ficcional, mas levemente inspirado em Ewa Lizlfellner e outras mulheres que foram levadas ao limite da saúde mental com a depressão, condição que no século XVIII era conhecida pela expressão “banho do diabo”. Se antes Agnes foi apresentada como uma mulher doce e apaixonada pela natureza, essa perspectiva passa a mudar quando a promessa de um casamento feliz e duradouro começa a desmanchar com a jovem mulher tentando se enquadrar no estilo de vida do esposo. São pontos como este que Des Teufels Bad oferece uma análise de personagem quando aqui há um exemplo de matrimônio infeliz o qual a esposa não se sente desejada pelo marido com orientação sexual reprimida enquanto é cobrada quanto aos seus deveres.

A cena inicial se torna um lembrete, um presságio inevitável para Agnes. E Franz e Fiala querem transmitir a ideia de um inferno quase literal como o título sugere; uma realidade opressora e desesperadora que aos poucos vai sugando a energia da protagonista a fim de retratar a prática do suicídio por procuração (suicide by proxy), padrão sobre a Europa entre os séculos XVII e XVIII descoberto por Kathy Stuart em que a sociedade a fim de evitar a condenação eterna pelo pecado do suicídio, cometia um assassinato, sendo a pena de execução pelo crime passível de absolvição, mantendo, assim, a salvação, prática que era mais comum entre as mulheres do que os homens. A estética de Des Teufels Bad traduz o estado emocional de sua protagonista, a exemplo do visual acinzentado e polido, os planos abertos em sinal de isolamento e solidão – algo reforçado até mesmo na localização da nova casa do casal: uma morada em meio a natureza, como um paralelo sobre Agnes.

Se tratando de um drama de terror folk, a abordagem de Franz e Siala é contemplativa e desesperançosa enquanto deixa para reflexão temas como suicídio, depressão – principalmente feminina – patriarcado e fanatismo religioso. O ponto alto do filme se dá pela entrega Plaschg como Agnes; da tristeza a solidão, o definhamento emocional de sua personagem vai sendo construído de forma visual, com Agnes buscando alternativas para expulsar de alguma maneira a tormenta psicológica, que passa a ser física e a consumir também sua sanidade. Vale observar como essa deterioração surge em sinal de Agnes não atender a pressão do patriarcado e dogmas religiosos, e por consequência, a sua frustração maior: não engravidar. Sem apelar para elementos sobrenaturais, a dupla de cineastas prezam em ilustrar esse caos emocional com potentes representações visuais que são intensificadas pela trilha atordoante composta pela própria Plaschg.

O desfecho encerra não de forma literal a ideia do título, e sim impactante ao deixar para observação como funcionava a estrutura e fundamentos religiosos da época, mas também servindo um paralelo visual angustiante, o que é inevitável não pensar em como somos apresentados a Agnes – radiante em seu casamento e introduzida a como deveria se portar daquele momento em diante – em comparação ao seu declínio psicológico. Com uma abordagem ímpar para o tema, que encontra espaço no gênero do terror como ilustração, O Banho do Diabo é a grande aposta representante da Áustria no Oscar 2025 depois de conquistar o prêmio do Urso de Ouro durante sua estreia no Festival de Berlim.

O Banho do Diabo (Des Teufels Bad / The Devil’s Bath) — Áustria, Alemanha, 2024
Direção: Severin Fiala, Veronika Franz
Roteiro: Severin Fiala, Veronika Franz
Elenco: Anja Plaschg, Maria Hofstätter, David Scheid, Tim Valerian Alberti, Natalija Baranova, Franziska Holzer, Elmar Kurz, Agnes Lampl, Claudia Martini, Camilla Schilia, Annemarie Schwarzenberger, Elias Schützenhofer, Lukas Walcher
Duração: 121 min.

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