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Crítica | O Babadook

por Luiz Santiago
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estrelas 3

Spoilers!

“Babadook” é um anagrama de “a bad book” (um livro mau), e foi o primeiro longa-metragem da cineasta Jennifer Kent, um remake de Monster, o curta que ela escreveu e dirigiu em 2005. A possível permanência da “criatura” (fantasiosa, real ou simbólica, chegaremos a isso mais adiante) é um ponto de discussão nas duas obras, mas a versão de 2014 adiciona todo um grande contexto que serve para explicar o terror psicológico e suas reais origens.

Amelia (Essie Davis) vive sozinha com o filho Sam (Noah Wiseman) em uma casa escura, que apresenta um desenho de produção e fotografia levemente inspirados em Brazil, de Terry Gilliam. Atormentada pela morte do marido, Amelia jamais se permitiu viver o luto. Em vez disso, tentou calá-lo, mas foi progressivamente definhando, tendo seu emocional cada vez mais afetado e marcado pela ausência do esposo, constantemente lembrado por Sam, que não hesita em dizer, mesmo para estranhos, que o pai morreu em um acidente, enquanto levava a mãe para dar à luz. Guardem essa dualidade sobre a morte: Amelia acha que superou a perda, mas na verdade nunca se permitiu sofrer. Sam é novo demais para se sentir enlutado pela morte do pai (ele nasceu no dia em que o pai morreu — cabe aqui um outro caminho de leitura, psicológica, que talvez agrade a alguns leitores), por isso diz exatamente o que pensa, sem o peso da culpa ou do luto.

Partindo desse ambiente pessimista — que se permite algumas luzes de simpatia e amor –, Jennifer Kent escreve um roteiro que pode representar tanto uma perturbação real, de uma entidade em “livro mau” que se manifesta e é adotada por uma mãe consumida pela dor, mas em genuíno estado de recuperação, ao final do filme; ou o próprio estado emocional dessa mulher, que algumas vezes culpa o filho pela morte do marido (percebam as ações-espelho: Sam aperta o pescoço da mãe, enquanto dorme… já a mãe, quando entregue ao máximo estágio de seu luto, manifestado fisicamente — a possessão pelo Babadook –, faz o mesmo com ele, embora não o mate); ou ainda, a gama de sentimentos guardados por uma mulher solitária, com um filho problemático, aperto financeiro, um trabalho estafante e, talvez, a presença de algo paranormal na casa.

Claro que não é muito difícil fazer uma relação, em diferentes níveis, de todas essas vertentes, mas a forma como o texto é escrito, principalmente diante dos símbolos finais — a rosa preta, as minhocas para alimento da criatura (no curta, é um copo de leite) — dão a entender que o espectador pode seguir diferentes caminhos e, mesmo assim, chegará à conclusão de que o longa é a jornada de alguém que guardou o sofrimento tempo demais, até que, quase totalmente consumida por ele, resolveu encará-lo, dominá-lo e… criá-lo, alimentando-o quando necessário e dizendo ao filho que “quando ele for mais velho” ele pode ver este ser.

O problema do filme não está em sua produção — que faz muita coisa com o orçamento limitado de que dispôs –, pois há momentos em que realmente temos medo, principalmente na primeira parte da fita, após o Babadook nos ser apresentado. A questão é que chega um momento onde o roteiro não se decide e tenta apontar para todos os lados possíveis, no momento em que poderia caminhar por um único tipo de manifestação e o resultado simbólico seria o mesmo, além de narrativamente ter uma melhor finalização. Cenas como o sonho de possessão e a dominação física de Amelia (que duram muito mais do que deveriam) poderiam ser substituídas por um maior investimento na relação mãe e filho em cada estágio, já que essa relação é constantemente interrompida pela presença do medo em cena, custando, até, a formação emocional do público sobre a ligação entre os dois (notem a diferença, nesse aspecto, para com o longa Boa Noite, Mamãe, que traz mais ou menos o mesmo princípio de enredo).

A mulher atormentada, Essie Davis, tem uma interpretação fantástica no filme, especialmente quando passa de um estado emocional para outro, nos dando variações da mãe cuidadosa, depois furiosa, assassina, e então amorosa. Sua privação de sono e as referências dos filmes que vê na TV — curtas de Méliès, O Fantasma da Ópera (1925), O Parque Macabro (1962), As Três Máscaras do Terror (1963) — ajudam a criar sua personalidade e suas motivações, muito mais do que as cenas que temos de Sam, embora ainda tenhamos que elogiar a atuação do ator-mirim Noah Wiseman.

O trabalho sonoro (edição, mixagem e trilha) e a fotografia do filme completam o ambiente lúgubre e assombrado de maneira coerente e bem feita; um ambiente que mesmo com um suposto final feliz, ou em processo de auto-aceitação, deixam aquela sensação de que ainda há algo muito errado no ambiente. Ou isso, ou é só a tristeza e o luto que jamais deixarão de tocar ou se fazer presente, de tempos em tempos, na vida daqueles que perderam alguém. Seria este o “bad book“? Seria este livro mau capaz de fazer suas vítimas matarem, repetir o ato que as deixaram “doentes”? Um olhar para a realidade talvez responda essas questões. No filme, o que temos, é apenas uma cena com um momento de paz entre mãe e filho. E depois de tudo o que passaram, eles realmente mereciam aquilo.

O Babadook (The Babadook) – Austrália, Canadá, 2014
Direção: Jennifer Kent
Roteiro: Jennifer Kent
Elenco: Essie Davis, Noah Wiseman, Hayley McElhinney, Daniel Henshall, Barbara West, Benjamin Winspear, Chloe Hurn, Jacquy Phillips, Bridget Walters, Annie Batten, Tony Mack, Carmel Johnson
Duração: 93 min.

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