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Crítica | O Astronauta Sem Regime, de Jô Soares

O primeiro livro de Jô.

por Luiz Santiago
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Publicado em 1983, O Astronauta Sem Regime foi o primeiro livro escrito por Jô Soares, que naquele momento já tinha uma carreira solidamente estabelecida na televisão e no teatro, tendo também escrito (além dos esquetes para a TV, claro) contos e crônicas para jornais e revistas, e o capítulo Os Dilemas do Fantasma e do Capitão América para o livro Shazam!, de Álvaro de Moya, lançado em 1972. Publicado pela L&PM, este livro de estreia de Jô é uma coletânea de contos que abordam os mais diversos temas de nossa História e sociedade, narrados de forma similar à jornalística, com muitas aventuras dando um gancho narrativo para outra, como se fosse uma continuação lógica daquilo que o autor já vinha nos contado.

Para quem conhece um pouco do estilo do Jô fazendo piadas, conseguirá localizar muito facilmente uma porção de características típicas do artista nesse livro, como redefinição de palavras (algumas histórias são literalmente dicionários de palavra absurdas), brincadeiras com palavras dobradas (“doutor Doctor”, por exemplo) e a exploração do nonsense, que já vemos aparecer na historinha de estreia, O Glubador, que se segue a uma simpática apresentação intitulada Visto o Meu Corpo de Gordo.

Muito habituado a escrever para a televisão, Jô acaba utilizando um tipo de caminho cômico que funcionaria muito melhor se fosse encenado, obedecendo a um timing todo particular da oratória, algo que não temos como medir na linguagem escrita. Dessa forma, alguns contos aqui acabam com um humor mais fraco do que o esperado, com encerramentos que, por mais espirituosos que sejam, soam forçados e até repetitivos, pois retrabalham punchlines de outras tramas do livro ou simplesmente não se sustentam muito bem como história.

A variedade de gêneros abordados aqui também ajuda a fazer com que o livro tenha a cara de “estranhamente aberto”. Nos deparamos com notícias de jornais, aforismos, testes de personalidade, contos, teatrinhos, representações acadêmicas, documentos, dicionários e fábulas. Como apontei antes, o autor consegue uma ligação muito interessante entre um bloco e outro, o que é um ponto bastante positivo quando falamos de fluidez. Porém, como as histórias são verdadeiramente independentes em conteúdo/temática, essa boa impressão causada pela atenciosa integração entre os “capítulos” se dilui quando vemos que estamos diante de “um outro Universo”. Sem contar que algumas coisas são escritas de maneira muito bobinha, o que às vezes irrita um pouco o leitor.

Meus contos favoritos deste volume são O Dia do Caçador, A Guerra, Continho de Terror (seria fantástica uma adaptação disso num curta-metragem!), Balada do Hipocondríaco Saudosista e Teatro do Absurdíssimo

Em O Astronauta Sem Regime temos uma sequência de narrativas engraçadas que, apesar de seus problemas, nos diverte bastante. Trata-se de um livro muito leve e com muita imaginação, trazendo, muitas vezes, críticas ao governo brasileiro e tirando sarro de inúmeras convenções sociais, dos mais diversos comportamentos humanos e das mais variadas criações – seja uma máquina, um objeto ou o sentido de uma determinada palavra. A despeito de não funcionar perfeitamente em sua proposta cômica, este livro de estreia de Jô Soares mostra a capacidade enorme dessa grande personalidade brasileira em criar ambientes propícios para o riso. Para quem gosta de narrativas rápidas e engraçadas, certamente terá em mãos um bom passatempo.   

O Astronauta Sem Regime (Brasil, 1983)
Autor: Jô Soares
Editora: L&PM
117 páginas

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