Uma experiência estranha, um tanto equivocada e que pede aos espectadores uma dose extra de paciência ao longo de seus 96 minutos que parece uma eternidade. Assim é O Assassino da Furadeira, estreia do cineasta Abel Ferrara, produção realizada entre 1978 e 1979, com gravações nos dois períodos, algo que justifica a aparência dos personagens entre uma era e outra desta narrativa com toda cara de cinema independente, isto é, baixo orçamento, cenários abaixo da média, clima underground, dentre outras características do segmento. Lento, confuso e com uma atmosfera subjetiva pesada, o slasher em questão traz um homem sem máscara, sem segredos do passado, desprovido de uma motivação mais substancial além de viver uma jornada econômica caótica e uma crise de criatividade profunda. Atordoado por seu cotidiano opressivo, o protagonista na posição de antagonista despeja toda a sua ira num banho de sangue curioso, realizado em prol da necessidade de uma intensa descarga emocional mais que necessária.
O estressado aqui é Reno Miller (Ferrara), personagem criado por Nicholas St. John, o responsável pelo texto dramático de O Assassino da Furadeira. Ele é uma criatura sofrida, sobrecarregado pelas mazelas financeiras, pressionado diante da necessidade do término de suas obras artísticas inacabadas. Tendo em vista a falta de resolução para suas questões, ele começa a enlouquecer, culminando numa explosão de fúria que o transforma num homem sanguinário. Os conflitos começam com a sua namorada Carol (Carolyn Marz), uma garota que passa de companheirismo amoroso para persona non grata. Ele divide o apartamento alugado com ela e sua amiga, Pam (Baybi Day), outra presença que começa a se tornar cada vez mais irritante e exaustiva em seus dias não fáceis. Dalton Briggs (Harry Schultz), o dono de uma galeria que aguarda ansiosamente a sua próxima obra, também passa de esperança para mais uma pedra diária em seus sapatos desconfortáveis.
Diante do exposto, Reno ainda precisa enfrentar a barulheira de uma banda que ensaia praticamente 24 horas por dia no apartamento vizinho. Tudo isso é de surtar qualquer um e durante os seus momentos de transe, o rapaz sai pelas nuas novaiorquinas no período noturno, munido de uma furadeira potente, estraçalhando aqueles que tiram a sua paz. Tudo isso, num clima surrealista de insanidade, proposto pela direção de fotografia pelas lentes de uma câmera de 16 milímetros, assinada por Ken Kelsch, cenas acompanhadas pela textura percussiva de Joe Delia, uma inquietante trilha sonora que dialoga com o estilo adotado pelo cineasta em seu filme de estreia, isto é, uma produção suja, situada numa ambientação idem, repleta de moradores de rua e usuário de drogas, em linhas gerais, um espaço narrativo próprio das zonas abandonadas dos grandes centros urbanos tomados pela desigualdade social.
O leitor pode pensar que em O Assassino da Furadeira, encontramos um clima bizarro e macabro, tal como O Maníaco, slasher produzido um ano depois, mas a resposta é negativa. Diferente da produção com proposta temática similar, o filme de Abel Ferrara carece de ritmo e traz algumas passagens gratuitas que atrapalham os desdobramentos da jornada de Reno Miller. A cena do coelho é demasiadamente desnecessária, a passagem do chuveiro, minimamente estranha, as passagens com a tal banda que domina o cotidiano atordoante do protagonista também quebram a dinâmica da história que em si já é problemática por iniciar a sua ação slasher quase após a metade, uma falha imperdoável para uma narrativa deste estilo. Ademais, não é porque o cineasta demonstra ambição artística que compraremos as suas escolhas surrealistas que entediam e desperdiçam o potencial de um slasher que tinha tudo para ser uma jornada brutal, mas se tornou apenas uma produção cinematográfica autêntica demais.
O Assassino da Furadeira (The Driller Killer, EUA – 1979)
Direção: Abel Ferrara
Roteiro: Nicholas St. John
Elenco: Abel Ferrara, Carolyn Marz, Baybi Day, Harry Schultz, Alan Wynroth, Maria Helhoski, James O’Hara, Richard Howorth, Louis Mascolo, Tommy Santora, Rita Gooding, Chuck Saaf, Gary Cohen, Janet Dailey, Joyce Finney, Butch Morris, Paul Fitze, John Fitze
Duração: 110min.