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Crítica | O Assassino (2023)

A arte do entretenimento.

por Ritter Fan
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Segundo filme dirigido por David Fincher como parte de sua parceria com o Netflix, O Assassino é um thriller de vingança que destila cuidadosamente a essência de sua inspiração, a HQ francesa homônima escrita por Alexis “Matz” Nolent e desenhada por Luc Jacamon que aborda a vida de um matador de aluguel que, depois de uma tarefa dar errado, sofre consequências brutais e decide arregaçar as mangas para exterminar os responsáveis. Trata-se, talvez, do longa menos ambicioso do diretor que trabalha em cima de um roteiro econômico escrito por Andrew Kevin Walker, responsável pelo texto do inesquecível Seven: Os Sete Crimes Capitais.

Mas não confundam falta de ambição com falta de qualidade. Fincher não é um desses diretores que oferecem o básico e nada mais. O “mero” entretenimento comandado por alguém do naipe dele nunca é “mero”, como podemos ver no ótimo Vidas em Jogo. Muito ao contrário, o que ele entrega é um belo exemplar de uma obra que até pode ter uma preponderância de forma sobre substância e por vezes não passar de um exercício estético, mas O Assassino tem tudo no lugar, nada saliente, sobrando ou faltando. É como assistir uma aula de como se fazer um thriller direto, sem firulas e focado quase que exclusivamente em um personagem que é trabalhado muito mais por intermédio de narração em off dele mesmo, do que por meio de diálogos, algo diferente e até inusitado que Walker pegou emprestado da HQ, vale dizer, mas sem se perder nos devaneios de Matz, e que Fincher materializa de maneira exata, como se realmente estivéssemos “lendo” os balões de pensamento das páginas.

O assassino sem nome – ou melhor, com vários nomes – do título é vivido por Michael Fassbender em um papel muito contido, mas com o ator trabalhando na base de microexpressões que hipnotizam o espectador desde o cadenciado início em que acompanhamos seu personagem durante uma longa tocaia para executar um milionário em sua suntuosa cobertura. A narração em off pelo próprio Fassbender entra de imediato para abordar as técnicas e os pensamentos do matador, enveredando por vezes no didatismo inevitável e na filosofia de botequim, mas de maneira que chega a ironizar a narração “metida a importante” do autor dos quadrinhos, especialmente quando o protagonista, ao fazer citações como sua contrapartida do papel, não consegue citar fonte alguma. Diria até mesmo que há um delicado subtexto satírico que parece querer desmontar convenções do gênero ou subverter expectativas de um personagem que se aproxima demais de um James Bond da vida.

Com o longa dividido em capítulos muito bem marcados, a duração de quase duas horas embalada pela fusão da tensa, mas discreta trilha sonora original eletrônica composta por Trent Reznor e Atticus Ross, firmes e fortes ao lado de Fincher, com canções pop diegéticas graças ao hábito de escutar músicas do protagonista, passa muito rápida e facilmente, com Fincher levando seu personagem a uma espécie de volta ao mundo por cartões postais famosos, mas sem se valer da beleza padrão dos lugares que mostra. É como se todas as locações fossem reflexos do submundo em que o protagonista se insere e como se cada viagem fosse um cansativo e repetitivo ônus da profissão do matador em mais uma forma de retirar o glamour normalmente atrelado a personagens assim, com a fotografia azulada, fria e tristonha e a direção de arte que tenta “atemporalizar” os cenários contribuindo para essa atmosfera menos ostentadora.

E, a cada capítulo, Fincher faz de tudo para variar as situações, mas sem jamais transformar seu longa em pirotecnia descerebrada. Aliás, o filme praticamente não tem qualquer sequência de ação grandiosa, com apenas uma luta franca filmada no contraluz e com a câmera próxima dos personagens que é de aplaudir pela eficiência coreográfica e cenográfica e pela forma com que consegue mascarar a violência e sanguinolência sem suavizar as cenas. As interações não violentas do assassino com outros personagens é mantida no mínimo possível e, mesmo quando elas ocorrem – notadamente nas sequências com Tilda Swinton e com Arliss Howard -, o que vemos de Fassbender lembra muito os papeis lacônicos de Clint Eastwood na Trilogia dos Dólares, ou seja, apenas um dos interlocutores é responsável por 90% das linhas de diálogo e esse interlocutor não é o protagonista.

Estiloso, enxuto, bem cadenciado e tenso, O Assassino é David Fincher mostrando que fazer “só” entretenimento é mais do que uma sucessão de cortes enlouquecidos entremeados por explosões cada vez maiores. Há verdadeira arte aqui atrás e na frente das câmeras e o resultado é um thriller que, apesar de não ter pretensões muito grandes, oferece muito mais do que apenas mais do mesmo ou o básico mecanizado e algoritmizado que, infelizmente, vem se tornando a regra. Não estamos diante de outra obra-prima desse diretor que já merecia ter sido reconhecido nesta capacidade em premiações importantes, mas O Assassino é claramente fruto de um cineasta no absoluto controle de sua arte.

O Assassino (The Killer – EUA, 2023)
Direção: David Fincher
Roteiro: Andrew Kevin Walker (baseado em HQ criada por Alexis “Matz’ Nolent e Luc Jacamon)
Elenco: Michael Fassbender, Charles Parnell, Kerry O’Malley, Sala Baker, Sophie Charlotte, Tilda Swinton, Arliss Howard, Emiliano Pernía, Gabriel Polanco, Monique Ganderton, Jack Kesy
Duração: 118 min.

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