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Crítica | O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford

por Pedro Pinho
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O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford acabou aparecendo pra mim de forma um bocado casual. Algumas das inúmeras vezes em que deslumbrei por certo tempo a singela coleção de DVDs que fui acumulando através do tempo, me lembro de ter segurado a capa discreta e misteriosa – que não promete tanto – exibindo um título extenso e franco, um conjunto que, para mim, se apresentou de maneira não tão atraente. Minha curiosidade, porém, só foi crescendo para o grupo de atores notável e pela atmosfera atraente que o filme parecia prefigurar em algumas cenas esporádicas – as quais não consegui me esquivar na internet. A ocasião surgiu, e a experiência de assisti-lo foi extraordinária.

Numa brevíssima sinopse, poderia se dizer que esse filme utiliza um pretexto – sendo esse o de um grupo de malfeitores no meio oeste estadunidense no final do século XIX – para apresentar duas personagens e seu relacionamento simbólico. Robert Ford (Casey Affleck) é um garoto ambicioso que se envereda como criminoso articulado para integrar o grupo supracitado de assaltantes liderado pelos irmãos James, mas principalmente por uma figura folclórica pela qual ele tem uma admiração infante que é Jesse (Brad Pitt). Os acontecimentos se desenrolam numa exploração profundíssima das interações entre os integrantes desse bando – com maior ênfase na dos dois protagonistas – e abordando as várias camadas que compõem uma relação composta por uma admiração unilateral, incitando assim uma discussão sobre o controle limítrofe que temos sobre o legado que é deixado sobre nós.

A direção e o roteiro são do neozelandês Andrew Dominik, e ele é excelente. Seu trabalho é irretocável desde o princípio, lidando perfeitamente com o ritmo mais acelerado das primeiras cenas, utilizando-se disso como uma ferramenta dramática pontual. Há um segmento, ainda nos primeiros momentos, que envolve uma ação em grupo, e ela serve excepcionalmente para apresentar a atitude de personagens circundantes ao protagonista Robert Ford. O bom trabalho do diretor já se mostra desde aí, incitando alguns desentendimentos e introduzindo o comportamento das personagens com maior foco.

Nesse ponto, também se deve ressaltar a cinegrafia de Roger Deakins, que brinca, com aparente facilidade, com uma atmosfera neblinosa e sombria, seguindo com igual exímio no restante do filme, com ambientações deslumbrantes das estepes infindáveis do meio oeste norte-americano. Sem menos elogios me dirijo à montagem do filme, com certo destaque na apresentação de Jesse James e nos últimos momentos do longa, com um congelamento certeiro na última cena, que me foi como um soco no estomago.

Seria herético, também, me referir a essas duas cenas sem mencionar um voice over precisamente heterodoxo, sendo que seria impreciso taxa-lo como um recurso arcaico nesse cenário, onde é encaixado tão perfeitamente na identidade do filme. Na mesma medida falo da trilha sonora misteriosa e inebriante de Nick Cave e Warren Ellis, com grande destaque no tema de Jesse James, Song for Jesse, que possui uma instrumentalização onírica e fantasiosa, essencial na apresentação de uma personagem tão representativa do folclore maniqueísta norte-americano, cercado do realismo fantástico e do obscurantismo.

O filme, porém, descansa no seu compassar. Os cenários transformam-se paulatinamente em casas fechadas e isoladas, ou então em quartos escuros e empoeirados. O movimento dá lugar a uma dramaticidade muito mais contida, porém sobressalentemente pulsante. É aí onde a direção encontra a grandeza das interpretações, especificamente de Casey Affleck e Brad Pitt, e, porque não, de Sam Rockwell também. A intensidade dramática chega a ganhar tons jocosos, a medida em que a brilhante interpretação Brad Pitt antecipa certos entendimentos que nunca chegam a ser certezas.

Ao mesmo tempo em que existe dúvida sobre o que Jesse já conseguiu deduzir ou não, você tem certeza que ele já sabe de tudo – e esse tipo de abordagem cênica é extremamente difícil de colocar pra fora, principalmente da maneira como foi feita nesse caso. Algo muito parecido foi reproduzido com excelência por Christoph Waltz com Hans Landa, no já clássico de Tarantino Bastardos Inglórios. Vale ressaltar, ainda, que embora as cenas de maior sublevação comportamental estejam na mão de Brad Pitt – ressalto a cena da faca – seria um crime inferiorizar o trabalho de Casey Affleck, até porque talvez seja o mais difícil de todos, e devido a sua intensa e trágica carga dramática, também o melhor executado.

O argumento moral aqui é emocionante, e, portanto, o seu título, que a princípio parecia pura excentricidade, assume um dialogismo inseparável da identidade do filme, fazendo com que qualquer outra opção pareça boba. A menor falta de tato poderia encaminhar a trama para qualquer um dos extremos, seja o do hermetismo ou o da pieguice. O diretor, porém, tem sensibilidade suficiente pra dosar o silogismo de algumas decisões narrativas com a mise-en-scene hitchcockiana dos momentos mais enervados, deixando o espectador atônito e até encantado – como foi o meu caso – depois dos créditos finais.

O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford) – EUA, 2007.
Direção: Andrew Dominik.
Roteiro: Andrew Dominik.
Elenco: Casey Affleck, Brad Pitt, Sam Rockwell, Jeremy Renner, Sam Shepar, Mary Louise Parker, Nick Cave, Zooey Deschanel e Garret Dillahunt.
Duração: 160 min.

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