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Crítica | O 6º Dia

E, no 8º dia, criou-se o roteiro raso e genérico.

por Ritter Fan
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Uma das coisas mais involuntariamente engraçadas com que eu me deparo em ficções-científicas mal pensadas e mal desenvolvidas que se passam em um futuro próximo é o esforço conjunto do roteiro, direção e direção de arte em apresentar ao espectador as “diferenças” entre o nosso presente e esse futuro hipotético. Em O 6º Dia, com um título que é desnecessariamente explicado diversas vezes ao longo da projeção, somos apresentados logo na abertura à premissa que envolve clonagem humana, proibida em razão de uma experiência que deu muito errado, mas o casal de roteiristas Cormac e Marianne Wibberley não acha isso o suficiente para estabelecer a linha temporal do longa, passando os próximos 25 minutos nos mostrando helicópteros que se transformam em aviões, controles remotos para os ditos helicópteros, carros que se auto pilotam, a existência de clonagem de animais domésticos, televisões no espelho do banheiro e assim por diante, no que mais parece uma sucessão de comerciais desses produtos e serviços.

O que quero dizer com isso é que nada é natural nesse futuro em que Adam Gibson (Arnold Schwarzenegger), piloto que oferece serviços de transporte nesses helicópteros-aviões juntamente com seu sócio e melhor amigo Hank Morgan (Michael Rapaport), com pouquíssimo esforço da produção em fazer as diferenças entre o presente e o futuro parecerem realmente orgânicas, como na cena em que somos apresentados ao carro autopilotado cujas únicas diferenças para os carros atuais (ou da época em que o filme foi feito) são o som “futurístico” que eles emitem, o volante que parece um manche de avião (uau!) e seus passageiros – no caso Adam e Hank – artificialmente virando os pescoços para conversarem em bancos que obviamente não foram feitos para isso. É, como disse, hilário.

Quando o filme para com essas bobagens e realmente se digna a começar, algo que acontece a partir do ponto em que Hank, passando-se por Adam que precisa se convencer de comprar um cachorro clonado para a filha, transporta o milionário Michael Drucker (Tony Goldwyn) para esquiar, a coisa melhora consideravelmente, ainda que isso não signifique exatamente muita coisa. Mas, pelo menos, todo aquele início em que cada elemento do que veremos no clímax é telegrafado sem nenhuma sutileza desaparece e abre um pouco de espaço para a descoberta, por Adam, que ele foi clonado, algo que acontece quando ele volta para casa levando uma assustadora boneca que suspostamente deveria parecer real para presentear a filha no lugar do clone do cachorro que morrera algumas horas antes. O que se segue é uma perseguição liderada pelo capanga-chefe Robert Marshall (Michael Rooker que, curiosamente, seria coadjuvante, logo no ano seguinte, de Replicante, outro filme sobre clonagem com outro brucutu dos anos 80, o belga Jean-Claude Van Damme), que, claro, trabalha para Drucker que, com a ajuda científica do Dr. Griffin Weir (Robert Duvall), avança a passos largos a pesquisa de clonagem humana mesmo com a proibição da lei.

Infelizmente, porém, essa fuga de Adam, que acontece em diversos mini-capítulos, não tem nada de especial. É, apenas, um gigantesco “mais do mesmo” que já vimos com ou sem Schwarzenegger no protagonismo. O roteiros dos Wibberleys é pouquíssimo inspirado e genérico, com a direção de Roger Spottiswoode não passando de burocrática em seus melhores momentos, algo que, aliás, costuma ser a marca de seu trabalho. E, com isso, o astro de ação que apenas três anos depois passaria a ser o governador da Califórnia, afastando-se do cinema por vários anos, não tem ninguém para realmente extrair alguma coisa de sua bem limitada latitude dramática, resultando em uma atuação – ou atuações, considerando que ele vive dois Adams – que é uma das piores de sua carreira depois que ele deslanchou em meados dos anos 80.

O que poderia diferenciar um pouco o filme, ou seja, as discussões práticas, éticas e filosóficas sobre a clonagem humana, ficam apenas em algumas poucas linhas de diálogo para manter o filme em um nível baixo de complexidade (estou usando um eufemismo ao usar “baixo”, claro) e, com isso, tentar alcançar o público mais amplo possível, o mesmo público que até hoje acha que “nem todo filme precisa ser O Poderoso Chefão” (se você ouviu um som agora, foram os meus olhos revirando…). Ou seja, o que importa é como e quantas vezes os capangas abaixo de Drucker – um deles Terry Crews em sua estreia no cinema – morrem e são ressuscitados e o quão genial Adam de repente parece ser com seu plano infalível de infiltração no quartel-general da empresa altamente tecnológica do grande vilão. O resto é, apenas, pano de fundo, um débil ensaio que finge dar um contorno menos simplista às questões que poderiam – deveriam – colorir de maneira mais relevante o longa.

O 6º Dia cansa com seu começo que marreta um futuro sem graça e telegrafa sem cerimônia o que acontecerá, e não consegue, mesmo com suas ambiciosas sequências de ação aéreas, terrestres e, no final, tentando ser um pouco Duro de Matar, empolgar por um segundo sequer além do básico. Não é uma tragédia completa porque há sequências demais que são engraçadas quando não deveriam ser e Schwarzenegger está tão ruim que dá vergonha alheia, o que é também sempre divertido, mas esse talvez seja o longa de sua ilustre carreira que mais claramente caracteriza sua decadência cinematográfica.

O 6º Dia (The 6th Day – EUA, 2000)
Direção: Roger Spottiswoode
Roteiro: Cormac Wibberley, Marianne Wibberley
Elenco: Arnold Schwarzenegger, Tony Goldwyn, Michael Rapaport, Michael Rooker, Sarah Wynter, Wendy Crewson, Rodney Rowland, Terry Crews, Ken Pogue, Colin Cunningham, Robert Duvall, Wanda Cannon, Taylor Anne Reid, Jennifer Gareis, Andrea Libman
Duração: 124 min.

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