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Crítica | NYPD Blue (Nova Iorque contra o Crime) – 1ª Temporada

Seria NYPD Blue o Elo Perdido da TV?

por Ritter Fan
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Encontrar o Elo Perdido das séries de televisão, ou seja, aquela obra que, informada pelo passado, abriu caminho para uma nova espécie de narrativa audiovisual serializada, não é uma tarefa simples e depende muito da interpretação e até gostos pessoais dos “antropólogos televisivos”. Talvez a melhor resposta – e também a mais fácil, reconheço – seja afirmar que não houve apenas uma série responsável pela transição das séries da estrutura de “caso da semana”, característica da TV aberta americana, para as de temporadas com uma história única, característica da TV a cabo americana que acabou infectando o mundo todo. Mas é possível apontar dedos e encontrar algumas das forças criativas mais importantes por trás dessa mudança, e uma delas é, sem dúvida alguma, Steven Bochco. Outra é David Milch. Entre eles, duas séries policiais separadas por mais de uma década – contando seus começos – ajudaram a pavimentar o que hoje ainda bem temos às centenas pelas mais diversas produtoras de todo o mundo.

A primeira foi Hill Street Blues, batizada por aqui com o ridículo título Chumbo Grosso, que foi ao ar entre 1981 e 1987 e que foi criada por Bochco e Michael Kozoll, chegando a seu ápice criativo com a saída de Kozoll na terceira temporada e a entrada de Anthony Yerkovich (que sairia no final da mesma temporada e criaria Miami Vice) e David Milch, que permaneceria até o final. O que diferenciava a série das outras que existiam na época? Muita coisa, mas muita coisa mesmo. Para começo de conversa, a estrutura de “caso da semana” era temperada pelas relações pessoais dos personagens que ganhavam continuidade ao longo das temporadas, tornando de certa forma obrigatório acompanhar tudo na ordem para compreender o desenvolvimento das histórias. Além disso, o didatismo emburrecedor foi arremessado pela janela, com uma ambientação caótica que jogava o espectador em meio à ação sem preparações e sem que a estrutura narrativa se repetisse de episódio em episódio. Além disso, a série começou a testar as águas sobre até o ponto em que a TV aberta americana aceitaria situações envolvendo sexo, drogas e tragédias pesadas.

NYPD Blue – por aqui Nova Iorque contra o Crime -, criada por Bochco e Milch em 1993, ou seja, seis anos após o término de Hill Street Blues, foi o passo seguinte, a evolução natural do que eles haviam tentado e, em muitos aspectos, conseguido, na parceria anterior. A ambientação principal das duas séries é parecida, ou seja, uma caótica delegacia policial em Nova York. E, quando falo ambientação principal, quero realmente dizer isso, pois as delegacias das duas séries são seres pulsantes, efetivos personagens inamovíveis que abrigam os personagens humanos e seus dramas. Mas NYPD Blue é mais concentrada, ou seja, investe tempo de verdade em seus dois personagens centrais, o detetive veterano Andy Sipowicz (Dennis Franz) e o detetive mais jovem, mas também experiente John Kelly (David Caruso), em uma relação de mentoria cruzada, por assim dizer, com o primeiro já tendo passado todo seu conhecimento ao segundo e o segundo, usando essa sabedoria temperada por sua própria, ajudando o primeiro a não se perder completamente em meio ao seu alcoolismo, impulsividade e temperamento autodestrutivo. A simbiose dos dois é evidente desde os minutos iniciais do primeiro episódio até os minutos finais do último.

E a subversão de “regras” não escritas da TV aberta americana já começa justamente com Sipowicz. Um coprotagonista mais velho, misógino, preconceituoso e alcoólatra que quer mais do que qualquer outra coisa fazer justiça com as próprias mãos contra um mafioso local que escorrega pelo Sistema Judiciário? Só isso já é muito mais do que era comumente oferecido na época e é muito interessante como a temporada inaugural não larga esse assunto, desenvolvendo-o com calma e cadência, trabalhando um mergulho no inferno na medida do que era humanamente possível nessa ambientação televisiva da época e, depois, o resgate do personagem que, admito, ocorre talvez muito cedo demais na série, mas que parece ter sido ditado pelos problemas mais sérios pelos quais a produção passava em relação a Caruso que criava toda a sorte de problemas e que, dito e feito, anunciou sua partida da produção de surpresa, quando ela já caminhava para o fim, algo que aconteceu no ano seguinte, com uma transição ocorrendo e o bastão sendo assumido por Jimmy Smits e seu também inesquecível Bobby Simone.

Mas o personagem de Kelly é outro que merece destaque pela forma como ele é construído pelos roteiros. Ele é o oposto comportamental de seu parceiro, mas ele não é sem seus problemas. Recém separado de sua esposa Laura Michaels (Sherry Stringfield), uma promotora pública por quem ainda nutre sentimentos, ele mantem-se calado e estoico até quando precisa estourar e vergar as regras até quando possível, algo que se torna perigoso quando ele, depois de muito relutar, envolve-se romanticamente com a policial Janice Licalsi (Amy Brenneman) que se deixa corromper pela máfia, levando a uma das linhas narrativas mais interessantes da temporada e que é usada para dar peso e força à decisão de Kelly de sair da polícia na segunda temporada de forma que Caruso pudesse seguir seu caminho. E, também testando limites, esses relacionamentos de Kelly deram oportunidade para que a produção trabalhasse a nudez feminina e masculina como nunca antes em uma série na TV aberta, recebendo as devidas reclamações dos pudicos de plantão, sempre prontos a reclamar sobre vislumbres de nádegas e peitos mesmo em situações absolutamente comuns e lógicas dentro da estrutura da história e sempre com uma lente elegante, sem exageros.

Sob diversos aspectos, e como é natural em uma primeira temporada, Milch e Bochco ainda estavam sentindo como a produção andaria, como seria a receptividade e, a partir de um certo ponto, como eles lidariam com os problemas causados por Caruso. Ou seja, NYPD Blue, ao mesmo tempo que tinha como objetivo avançar a TV aberta para algo mais do que meras bobagens repetitivas, algo recebido com enorme relutância pelos engravatados donos do dinheiro, tinha que lidar com dores internas de crescimento e de expansão, algo que visivelmente vai ganhando mais corpo ao longo da temporada, com a intensificação do uso de personagens como o delegado Arthur Fancy (James McDaniel), o detetive novato James Martinez (Nicholas Turturro), o conturbado, mas ao mesmo tempo bonito relacionamento de Sipowicz com a promotora Sylvia Costas (Sharon Lawrence), o tímido detetive casado Greg Medavoy (Gordon Clapp) que acaba se aproximando da estonteante assistente administrativa Donna Abandando (Gail O’Grady) e até mesmo Alphonse Giardella (Robert Costanzo) o mafioso que é a pedra no sapato de Sipowicz e Josh “4B” Goldstein (vivido por David Schwimmer no ano anterior de sua escalação como Ross Geller, em Friends), este dois últimos aparecendo pouco, mas marcando a temporada.

Mas, mesmo ainda testando as águas externas e internas, a primeira temporada de NYPD Blue é um primor de início de série e olha que quem aqui escreve é alguém que simplesmente costuma abominar séries de 20 e tantos episódios como é o caso aqui. A grande verdade, porém, é que Bochco e Milch fazem valer o número de episódios, realmente criando algo de valor em cada um deles, com a narrativa brilhantemente correndo na linha fronteiriça entre a estrutura de caso da semana e a de linha narrativa única e, com isso, ajudando a abrir espaço para a chamada segunda Era de Ouro da TV que começaria poucos anos depois do começo de NYPD Blue e que, segundo alguns, continua até hoje.

NYPD Blue (Nova Iorque Contra o Crime) – 1ª Temporada (EUA – 21 de setembro de 1993 a 17 de maio de 1994)
Criação: 
David Milch, Steven Bochco
Direção: Gregory Hoblit, Charles Haid, Michael M. Robin, Brad Silberling, Daniel Sackheim, Dennis Dugan, Eric Laneuville, Rick Wallace, Félix Alcalá, Lesli Linka Glatter, Jesús S. Treviño
Roteiro: David Milch, Art Monterastelli, Ted Mann, Burton Armus, Gardner Stern, W.K. Scott Meyer, George D. Putnam, Ann Biderman, Jody Worth
Elenco: David Caruso, Dennis Franz, James McDaniel, Sherry Stringfield, Amy Brenneman, Nicholas Turturro, Sharon Lawrence, David Schwimmer, Robert Costanzo, Joe Santos, Daniel Benzali, Gordon Clapp, Gail O’Grady, Luis Guzman, Michael Harney, Michael DeLuise, Bradley Whitford
Duração: 1056 min. (22 episódios)

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