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Crítica | Nunca Fui Santa

por Leonardo Campos
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Quando Nunca Fui Santa estreou em 31 de agosto de 1956, o mito hollywoodiano Marilyn Monroe estava afastado das telas do cinema há um ano. Entre os motivos estava a insatisfação da atriz por conta dos papeis fornecidos pelos executivos da Fox, um estúdio que insistia em manter a profissional numa seara de papeis repetidos, geralmente tramas em que a beleza exuberante sobressaia, associado aos comportamentos estúpidos e pouco dotados de inteligência por parte de seus personagens.

Através de um gesto interpretativo-comparativo, podemos pensar no que aconteceu com Marilyn Monroe relacionando a postura dos executivos com o mesmo que contemporaneamente ocorreu com Sandra Bullock, Meg Ryan e Júlia Roberts: a tentativa de manutenção dessas atrizes dentro de um padrão de atuação e roteiros em que a repetição era a ordem do dia. O nome do filme era diferente, mas o personagem e o desempenho eram geralmente semelhantes, numa tentativa de repetir antigos sucessos de bilheteria. Sandra Bullock e Júlia Roberts conseguiram se livrar destes estigmas e entregaram performances arrasadoras em papeis posteriores. O mesmo, por sua vez, não pode ser dito de Meg Ryan, atriz que amargou em papeis ruins e repetitivos até desaparecer do mapa hollywoodiano.

Marilyn Monroe, ciente do seu “poder de troca”, mesmo diante de tantos problemas pessoais, tais como a bebida, a insegurança e as memórias do seu passado perturbando o seu desempenho em todos os setores da sua vida, também se tocou deste problema, mudando um pouco o rumo das coisas com Nunca Fui Santa, sendo, inclusive, indicada pela sua atuação em uma importante premiação da indústria cinematográfica, feito não conquistado até então.

Isso não indica que a performance é arrasadora, mas apenas melhor do que tudo que ela já havia demonstrado antes. Para muitos, Monroe não era nada mais que um rosto muito bonito. Se a tragédia não tivesse se instalado, talvez ela tivesse provado que era muito mais que isso. A sua pequena aparição em A Malvada, mesmo ao lado da primorosa Bette Davis, consegue chamar a atenção, tamanha o magnetismo da atriz diante das câmeras. No entanto é preciso pensar se a atriz teria se tornado o mito máximo da cultura pop, caso não tivesse morrido de maneira prematura e trágica, afinal, o ser humano, em especial, os estadunidenses, adoram este tipo de trajetória.

Antes de se entregar ao papel, Monroe esteve afastada. Conseguiu negociar com os executivos e dominar outros setores da produção, sendo um deles, muito importante, a escolha do diretor para comandar a sua participação. Pensando em melhorar o desempenho, a atriz matriculou-se na famosa Actors Studio, fundada em 1957 por Elia Kazan e Robert Lewis, um espaço em que a intenção dos participantes era refinar as suas atuações, tendo como base os métodos propostos por Stanislavski.

Para dirigir a trama os envolvidos no projeto chamaram Joshua Logan, conhecido por sua carreira de sucesso no teatro, desde os idos de 1920. Com roteiro assinado por George Axerold, escritor de sucesso responsável pelo adorado Bonequinha de Luxo, o enredo apresenta a seguinte estrutura: em três atos bem delineados, somos apresentados ao cowboy Decker (Don Murray). Aos 21 anos ele sai do seu rancho em Montana, juntamente com seu amigo-mentor Virgil (Artur O´Connell).

No caminho, ao receber aconselhamentos relacionados ao casamento e a companhia de uma mulher ideal, informa ao amigo que espera pela pessoa ideal, um anjo que está a chegar em sua vida.   Assim que se instala no hotel é seduzido pelo som do café Blue Dragon, localizado logo a frente do local. Encantado pelo som, ele decide, juntamente com o amigo, fazer uma breve visita ao local. É lá que encontrará a doce Cherie (Marilyn Monroe), performer que se apresenta na casa noturna e tem o sonho de ser uma atriz hollywoodiana.

Diante da exposição do argumento, o leitor já presume o que vai acontecer: eles se apaixonarão, brigarão bastante, serão colocados em situações cheias de obstáculos, na necessidade de resolver os seus conflitos para ficarem juntos. Ele necessita lapidar o seu comportamento, pois às vezes, age como se fosse uma pessoa distante dos ideais de civilização. Ela, presa a um relacionamento fracassado e ao local em que vive, precisará se desprender de tudo para seguir adiante nas malhas da nova modalidade de vida que lhe foi apresentada.

Tendo a música composta por Alfred Newman e seu irmão Lionel Newman, oriundos de uma família de compositores indicados ao Oscar 45 vezes, bem como produzido mais de 200 temas de filmes, Nunca Fui Santa é empolgante sonoramente, bem como nos aspectos visuais, haja vista a beleza dos seus protagonistas. O amor colocado à prova, um dos temas mais comuns da história da ficção desde os tempos do teatro na Antiguidade Clássica, talvez concorrendo em igualdade com a temática da vingança, ganha projeção nesta comédia de conflitos superficiais e trama simplória, o que não indica que seja de qualidade questionável.

Em relação ao desempenho na seara da recepção, Nunca Fui Santa possui alguns privilégios que não fazem parte do que geralmente conhecemos acerca dos filmes anteriores do mito. A atriz foi indicada (merecidamente) ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Dramática, tendo o seu colega Don Murray indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.

No âmbito do discurso torna-se complicado falar em inocência, mas a comédia beira ao pueril. Sem complexidades, trata do amor entre um homem e uma mulher, das dificuldades e obstáculos encontrados em meio aos sentimentos e conflitos pessoais. Com uma trama que precisa ser analisada diacronicamente, tendo em vista os valores da época e a sociedade após 40 anos de alguns direitos conquistados (e usurpados), Nunca Fui Santa corre o risco de ser avaliado de maneira equivocada. A mulher, submissa aos desejos do homem, o ideal machista e “heteronormativo” do cowboy, desconstruído em filmes contemporâneos, como por exemplo, O Segredo de Brokeback Mountain, encontram-se disponíveis para observação, entretanto, devem ser contemplados e refletidos em termos comparativos, afinal, os “tempos eram outros”.

Com 96 minutos, Nunca Fui Santa não envelheceu tanto. Continua charmoso, tal como os seus protagonistas, numa trama bonitinha, singela e nada ofensiva. Indicada aos amantes de um romance em que no final tudo pode dar certo, a trama completou 40 anos e ainda é citada com bastante frequência nos livros e demais textos que pretendem traçar radiografias da memória do cinema.

Nunca Fui Santa (Bus Stop) – EUA, 1956.
Direção: Joshua Logan.
Roteiro: George Axerold.
Elenco: Marilyn Monroe, Don Murray, Artur O´Connel, Betty Field, Robert Bray, Hope Lange, Hans Conried, Max Showalter.
Duração: 96 min

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