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Crítica | Novocaine: À Prova da Dor

Um tapinha não dói.

por Luiz Santiago
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De suas origens nos filmes de Herschell Gordon Lewis até as adoradas extrapolações de Sam Raimi, o cinema splatter se alimentou de uma dualidade, transformando violência em espetáculo; misturando horror e (às vezes) humor, numa dança de miolos, fluídos e ironia. Em Novocaine (2025), dirigido por Dan Berk e Robert Olsen, essa tradição ganha nova vida num projeto despretensioso, onde a ausência de dor do protagonista se torna o principal atrativo. Nathan Caine (Jack Quaid), um homem com insensibilidade congênita à dor, encarna perfeitamente essa proposta, atravessando uma sequência de gags de porradaria que aposta no impacto visceral, sem se preocupar até mesmo com a maneira com que os pedaços do corpo serão mostrados na tela. O problema, aqui, nem é o fato de que o excesso é o próprio fim, mas que os diretores e o roteiro parecem não dar vazão àquilo que um bom splatter precisa ser… do início ao fim.

Lars Jacobson (que não tinha créditos de destaque em seu currículo, aqui até) escreve um roteiro que incorpora a lógica de um game básico: Nathan avança em fases, derrotando inimigos cada vez mais absurdos para resgatar a namorada sequestrada. Há uma certa graça nessa linearidade descomplicada, quase infantil, mas o roteiro só avança até certo ponto, a partir do qual passa a se ressentir da proposta e procurar espalhar “âncoras de normalidade”, mesmo depois de tudo se mostrar irremediavelmente anormal. As cenas de ação nos fazem rir de maneira mórbida ou torcer o nariz de agonia (nesse ponto, conseguindo o seu intento), mas, no geral, são filmadas com um desleixo inacreditável. Planos sem ênfase no ritmo ou na composição depõem até mesmo contra o gênero adotado, que deveria trazer maior cumplicidade com a imagem. Jack Quaid, com seu charme meio manco, consegue dar humanidade e graça a Nathan, mas o personagem tem um espaço limitado para brilhar, e se daria muito melhor se a produção o deixasse completamente desembestado.

A indecisão dos diretores entre criar um draminha amoroso problemático ou uma ação violenta a qualquer custo minou o impacto das piadas visuais, muitas vezes fugindo do tom por desleixo estético ou por colocar linhas de diálogos que parecem vir de outro filme. Repito: Novocaine tem cenas muito boas de splatter aliada à comédia, mas é tudo muito isolado, muito contido, sempre ansioso para trazer algo ordinário e dar ao espectador uma sensação de conforto imediato ao caos. Dá para aproveitar as sequências mais intensas da fita, mas esses bons momentos não duram muito. É como se tivéssemos, no protagonista, um tipo de herói que fala pouco e sempre dá gritinhos de espanto a cada novo espancamento, e que, como nos desenhos animados, escapa das mais insanas tentativas de assassinato. Só que esse “herói” parece ter um limite forçado de ação. Enquanto atua em sua zona sanguinolenta, ele vai bem. Mas quando está minimamente num “ambiente normal”, ele é insuportável — talvez não tanto quanto Jacob Batalon, mas… 

Não procure aqui uma consistência nas coreografias de luta, bom acompanhamento musical para os momentos mais intensos ou um elenco de apoio afiado. Jack Quaid vai bem, dentro dos limites do personagem, mas parece se segurar demais. De resto, constatamos com muita tristeza que Novocaine desdenhou suas próprias (e interessantes) possibilidades. Se o splatter tradicional subverte ao chocar, aqui, o choque é mera cortina de fumaça para a ausência de suporte à bizarrice (necessária) do gênero, a uma verdadeira entrega ao cinema de vísceras. A cena final da obra tenta, por algum motivo, equilibrar emoção e atmosfera pós-carnificina, numa única tacada, querendo ser engraçada, emocionante e sugestivamente transgressora. Claro que não dá certo. Ao explorar a condição de um homem incapaz de sentir dor, Novocaine acaba anestesiando muitas partes de sua composição, preferindo não arriscar por completo. E para um gênero que nasceu do risco, nada é mais mortal do que jogar no seguro.

Novocaine: À Prova da Dor (EUA, Canadá, África do Sul, 2025)
Direção: Dan Berk, Robert Olsen
Roteiro: Lars Jacobson
Elenco: Jack Quaid, Amber Midthunder, Ray Nicholson, Jacob Batalon, Betty Gabriel, Matt Walsh, Conrad Kemp, Evan Hengst, Craig Jackson, Lou Beatty Jr., Garth Collins, Tristan de Beer, Jessica Leigh Stanley, Chioma Antoinette Umeala, Margot Wood
Duração: 110 min.

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