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Crítica | Nostalgia da Luz

por César Barzine
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Um documentário que mistura astronomia, arqueologia e a ditadura do Pinochet. A premissa pode soar interessante, mas ao mesmo tempo aponta para um caminho desleixado da qual essa junção louca acaba formando. Nostalgia da Luz tenta ligar esses três elementos centralizando-os em uma reflexão sobre o passado. A tese do filme é apresentar o valor do passado nos dias de hoje, manifestando a necessidade de resgatá-lo e conservá-lo como objeto de reflexão, registro e afeto. Ao acolher um tema tão profundo quanto este, o documentário necessita de um discurso filosófico consistente tanto como teoria quanto como narrativa para se encaixar na estética do cinema. No segundo caso, o filme até apresenta uma execução razoável, mas é na formação das ideias em si que tudo desaba, resultando num trabalho raso, incoerente e até mesmo ridículo.

Tudo que o filme menos busca é ser minimalista, há um senso de grandeza que predomina a obra a cada minuto. Uma solenidade que abrange o longa do começo ao fim em todos os seus aspectos. Até mesmo numa sequência minuciosa em que são exibidos uma série de planos fechados de móveis numa casa carrega esse exagero. A direção busca arrancar uma força daquele lugar aconchegante tentando criar um tom intimista, mas o efeito disso é o inverso, a sequência acaba soando artificial e distante. A maior parte dessa inexpressividade vem do conteúdo plástico da direção de arte que é extremamente colorida e sem verossimilhança.

Esse momento é um dos muitos que tentam transpor um teor humanista no longa. Vemos isso na paixão de um astrônomo ao falar do grande interesse que possui em seu trabalho, e também nos depoimentos de mulheres que buscam incessantemente os corpos de seus parentes assassinados na Ditadura Militar comandada por Pinochet. Óbvio que há uma sensibilidade inerente nas falas dessas senhoras desoladas, mas apesar desse peso dramático, nada daquilo comove, e isso ocorre porque as outras partes do filme estragam esses depoimentos ao dificultar um olhar mais sério diante do documentário. Quando a obra discursa a sua filosofia de boteco, acaba provocando um afastamento no público, que não chega a reconquistá-lo nos momentos em que os relatos daquelas mulheres aparecem, pois a unidade do filme está perdida, logo não há conexão emocional quando mais precisa.

Agora, o auge desse estrago está presente numa cena que une o astrônomo a essa questão das mulheres distantes de seus entes queridos. O cientista toca nesse assunto e associa a sua profissão com a atividade delas de procurarem os corpos de seus familiares. A grande ideia espetacular dele é que ambos os casos lidam com o passado, logo há uma semelhança entre eles. Gênio. Tão gênio quanto cretino. Traçar uma comparação dessas em um documentário que toca num tema tão sensível chega a ser desrespeitoso com aquelas mulheres, pois reduz toda a carga emocional delas a uma simples busca pelo passado. Ele anula a complexidade da situação para fazer uma ligação boba e totalmente desinteressante. Independente de haver ou não uma semelhança entre os dois lados, diante da gravidade que existe em um deles, esse tipo de afirmação se torna completamente absurda.

O valor do passado, o que dizer a respeito disso? Claramente Patricio Guzmán não tem uma ideia concreta sobre essa discussão, pois todos os elementos do filme soam vagos e desconexos. A questão dos arqueólogos que estudam relíquias históricas não se desenvolve nem um pouco. E quando o documentário toca em astronomia é um verdadeiro fiasco. O fato de o filme tratar desse assunto numa obra sobre o passado surge a partir da constatação de que os fenômenos físicos que vemos não consistem na realidade em si, no presente, logo vemos tudo atrasados. E é isso. Só isso! Esse dado científico é o grande motivo pelo qual o filme trata de astronomia. Algo tão ínfimo que não agrega nada de relevante à discussão é colocado em tela e se desenvolve por muito tempo como se tivesse um papel significativo. E tudo isso em volta de uma aura romantizada que busca uma poesia diante de tamanha bobagem. Nostalgia da Luz fica parecendo mais aqueles videoensaios inteligentinhos do YouTube que possuem muita retórica e pouca substância, sendo movidos pelo artifício de formular ligações mirabolantes entre coisas diferentes para preencher espaço.

Em certo momento do documentário, é dito que o governo chileno não realiza um bom trabalho na forma que lida com o seu terrível passado. É uma questão bastante pertinente que poderia se estender, porém nem sequer há um embasamento para esta afirmação. Não é mostrado fatos que comprovem a negligência do governo perante o terror de sua história. Isso é um ponto jogado no filme que não se justifica. Assim como o filme por completo também não se justifica, ele é completamente carente de coerência e parece funcionar apenas como uma experiência contemplativa para alguém que não busca lógica nele. Esse tal lado contemplativo se mostra bem forte quando vemos diversos planos do universo. Tudo aquilo é muito bonito, mas é fora de sincronia com os outros aspectos do longa. O documentário fala da necessidade de preservar uma consciência sobre o passado dentro da sociedade e depois vemos imagens do espaço (???). 

Nostalgia da Luz é a maior punheta filosófica no formato de documentário que eu já vi. Completamente desordenado em suas ideias, o filme se mostra claramente perdido em meio a essa mistura louca criada. Não é um trabalho que apresenta e desenvolve um tema, mas sim um filme que tem fetiche por esse tema, tendo a mesma profundidade do que uma sessão de coaching.

Nostalgia da Luz (Nostalgia de La Luz) – Chile, Estados Unidos, Alemanha, Espanha, França, 2010
Direção: Patricio Guzmán
Roteiro: Patricio Guzmán
Elenco: Patricio Guzmán, Gaspar Galaz, Lautaro Núñez, Vicky Saaveda, Luís Henríquez, George Preston, Victor González, Valentina Rodríguez, Violeta Berrios, Miguel Lawner
Duração: 90 min.

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