Vocês acham que ele se foi? Ele não se foi. Esse é todo o problema! Ele nunca vai embora!
– Marvin, Leo
Apesar de ser provavelmente mais lembrado como um brilhante marionetista por trás dos Muppets e de Yoda, Frank Oz tem, até agora, 13 trabalhos de direção de longas de ficção em seu currículo e pelo menos duas comédias inesquecíveis: Os Safados e Nosso Querido Bob. Em ambas, as grandes marcas do cineasta é, de um lado, permanecer invisível na direção e, de outro, extrair performances sensacionais das respectivas duplas protagonistas, no caso duas pessoas essencialmente iguais, separadas, apenas, pelo dinheiro. Em Os Safados, o Freddy Benson de Steve Martin é o golpista chinfrim, enquanto o Lawrence Jamieson de Michael Caine é o golpista sofisticado, o que coloca os dois em rota de colisão, enquanto que, em Nosso Querido Bob, o Bob Wiley de Bill Murray é o louco assumido que inferniza a vida do Dr. Leo Marvin de Richard Dreyfuss, que também tem seus problemas psiquiátricos debaixo do verniz fleumático.
Soltando Murray para levá-lo à que considero a melhor performance puramente cômica da carreira do ator, Oz faz de Bob a grande estrela do filme, o que, claro, é perfeitamente esperado, mas ele jamais se esquece da força dramática representada por um Dreyfuss absolutamente inspirado no papel de um personagem que é desagradável do começo ao fim, sem concessões bonitinhas para criar empatia até com o vilão. E o resultado disso é uma comédia que, apesar de não causar câimbras estomacais de tanto rir como em Os Safados, consegue manter constante o sorriso no rosto do espectador por quase toda sua duração, com alguns momentos realmente inspirados como logo a entrevista psiquiátrica de Bob com o Dr. Leo que introduz o conceito de baby steps e marca a hilária e enlouquecedora dinâmica entre os dois personagens.
E “enlouquecedor” é o adjetivo mesmo, pois todo o roteiro de Tom Schulman depende do crescendo dessa relação entre Bob e Leo e o filme simplesmente não funcionaria não fossem Murray e Dreyfuss triunfando perante as câmeras. Se a entrevista inicial estabelece o tom, a construção narrativa cada vez mais absurda, mas sem errar na introdução de novas situações, transforma Bob na figura adorada por todos, especialmente pela família de Leo, o que só deixa mais evidente o quanto Leo é um ególatra sisudo incorrigível em uma clássica história do “pobre simpático que dá uma lição no rico babaca”.
Schulman só erra mesmo quando faz uma inversão completa de jogo, começando lá pelos 20 ou 25 minutos finais, com situações que, se antes eram benignamente absurdas, passam a ser pesadamente exageradas sem nenhuma necessidade, por vezes resvalando até no pastelão, o que quebra o ritmo narrativo e leva ao clímax menos do que ideal que apenas reitera, com fogos de artifício, o que já havia ficado sobejamente claro. Pelo menos o roteiro não cai na tentação de redimir o Dr. Leo Marvin em momento algum, nem mesmo no texto final que nos informa sobre o que aconteceu em seguida. Teria sido muito fácil e até tentador relativizar o antagonista, mas o roteirista mantem-se firme, com Oz tirando o máximo proveito dessa oportunidade que coloca Dreyfuss em um daqueles papeis destinados a serem para sempre ofuscados pelo trabalho de seu colega de tela, mas que simplesmente não deveria, já que os dois estão em pé de igualdade ali, com um melhorando a performance do outro, com Murray em vantagem justamente por fazer o maluco simpaticão que encanta todo mundo com suas inseguranças e fobias a praticamente tudo e mais um pouco.
Nosso Querido Bob, apesar de não ter o encerramento que merecia, é um dos melhores longas de Frank Oz, com uma das melhores duplas cômicas dos anos 90, quiçá uma das melhores comédias daquela década. É inegavelmente um longa para Murray e Dreyfuss brilharem na comédia, algo que realmente só acontece porque, assim como quando controla seus fantoches, o diretor nunca tenta fazer seu trabalho aparecer mais do que as estrelas. Um verdadeiro deleite que continua funcionando tão bem hoje quanto na época em que foi lançado.
Nosso Querido Bob (What About Bob? – EUA, 1991)
Direção: Frank Oz
Roteiro: Tom Schulman (baseado em história de Alvin Sargent e Laura Ziskin)
Elenco: Bill Murray, Richard Dreyfuss, Julie Hagerty, Charlie Korsmo, Kathryn Erbe, Tom Aldredge, Susan Willis, Roger Bowen, Fran Brill, Brian Reddy, Doris Belack, Melinda Mullins, Marcella Lowery
Duração: 99 min.