Nosso Amor de Ontem não é simplesmente um filme sobre a evolução e o desenvolvimento de um relacionamento, é mais do que isso. Trata-se de um específico conto sobre amor e suas oscilações devido às diferentes percepções da realidade do casal envolvido. O filme de Pollack apresenta ao espectador dois protagonistas centrais: Katie Morosky, uma fervorosa militante comunista, e Hubbell Gardiner, um jovem pequeno-burguês pouco ligado a questões políticas. Ao longo da faculdade, no entanto, por algum estranho motivo, cresce, entre os dois, um forte laço interpessoal que os mantém conectados mesmo à distância. Durante a juventude, Katie admira e respeita o surpreendente talento de Hubbell enquanto escritor de ficção; do outro lado, o desapegado estudante se encanta pela eloquência e capacidade de mobilização de massas do discurso de Katie, mesmo não estando de acordo com seu posicionamento político. Mesmo com tal dinâmica de respeito mútuo, as amarras dos dois não passam de desejos planctônicos escondidos nas entranhas de seus seres. É apenas anos depois, já nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial, que ambos protagonistas se reencontram e acendem uma chama até então inexplorada.
A obra de Sydney Pollack, contudo, inicia-se já no período do fim da guerra. O encontro entre Katie e Hubbell, dessa forma, é aquilo que conduz o espectador a um flashback até seus tempos de estudantes. Atenho-me, aqui, à cena específica que nos leva ao passado universitário do futuro casal. Em uma enorme sala em festa, repleta de fuzileiros navais, soldados e jornalistas, Katie, acompanhada de seu chefe, avista um solitário e sonolento Hubbell. Vagarosamente, ela se aproxima dele que, com os olhos fechados, não percebe nada ao seu redor. O jogo de olhares construído pelo diretor é sutil, delicado, mas ao mesmo tempo potente. Ela, em silêncio, apenas observa, por alguns instantes, o rosto imóvel do antigo colega. Ele, ainda com os olhos fechados, não imagina que, ao abrir os olhos, vai encontrar aquilo que ele mesmo não sabia que estava procurando. Esse instante, de duração ínfima, é o princípio de um sentimento levado até a eternidade. A direção de Pollack, nesse breve encontro, é brutal. Parece um simples jogo de plano e contraplano aos moldes clássicos, mas as aparências enganam. Os olhares são conservados por alguns segundos a mais do que o necessário. A errante respiração de Katie parece guiar a articulação temporal da cena. Vemos seu peito se estufar, encher, e, logo depois, devolver o ar à atmosfera. Hubbell, seguindo com os olhos cerrados, conserva uma expressão serena, como se estivesse em um estado de total conforto. O restante do ambiente sonoro do evento festivo parece sumir. A encenação do diretor exclui os ruídos do lugar, mantendo como regra um reconfortante silêncio que se estabelece entre os protagonistas. Esse encontro de tempo dilatado é o momento perfeito para conduzir o espectador até o passado juvenil dos dois, onde é plantada a primeira semente da dinâmica amorosa de Hubbell e Katie.
A construção da relação entre os personagens principais não é pautada apenas por um amor incondicional, certeiro. Muito pelo contrário. O que nos é aqui apresentado é uma tensão modulada a partir de uma potência juvenil. Entre eles, saem faíscas que nem sempre são oriundas do amor. Existe, nesse relacionamento, uma constante transição entre dor, paixão e tristeza. Nada dentro do universo de Pollack é ideal, muito menos o amor; e essas faíscas ácidas de modo algum os deixam mais distantes. Por incrível que pareça, é exatamente isso que aparente unir Hubbell e Katie. Superar tais crises cria, entre os dois, um irremediável desejo de querer construir um amor real, sujeito a momentos de turbulência que, ao fim de tudo, apenas o fortalecem. Não é um amor dos sonhos, mas pouco importa: é um amor. Com altos e baixos, com dores e carinhos. Se suas juventudes acabam e se tornam saudade, o mesmo não se pode aplicar a pujança que fez nascer a paixão. Ambos não deixam pelo caminho a força motriz de seu relacionamento. Mesmo nas grandes crises não falta no casal uma motivação potente em contornar as adversidades e voltar ao estado de paixão. Sydney Pollack sabe usar, com maestria, uma decupagem que consegue captar perfeitamente o estado no qual se encontra o amor de Katie e Hubbell. Durante as faíscas, o espaço é fraturado, isolando os dois; um plano para cada um, como se um oceano fosse colocado entre eles. Surgem cortes que os separam não apenas conceitualmente, mas fisicamente. É criada, assim, uma barreira entre eles. Os nervos à flor da pele, contudo, não vencem, pois logo depois os dois encontram um caminho comum. De volta ao mesmo espaço, secando o mar que uma vez os dividiu.
Hubbell Gardiner e Katie Morosky não são uma sinfonia exata. São como duas melodias distintas que se entrelaçam sem nenhuma explicação. Quem poderia imaginar que um homem desconectado da política fosse despertar uma ardente paixão em uma dedicada militante comunista anti-guerra? Por isso seu amor é, sobretudo, um aliado potente. Só o amor, e nada mais que isso, é capaz de unir essas duas frequências dissonantes. Hubbell e Katie aparentam estar conectados por um cordão umbilical que transcende os limites da lógica. Observando ambos friamente, essa relação não faz sentido algum. Pensando racionalmente, são pessoas que ocupam espaços diametralmente opostos. Mas quem disse que o amor deve ser racional? “O verdadeiro estado amoroso pressupõe um estado de semiloucura correspondente”, diz Lima Barreto em A clara dos anjos. Entre os personagens de Nosso Amor de Ontem o que existe é, justamente, uma semiloucura; a razão é jogada no lixo, desprezada. O fogo que arde em ambos os protagonistas faz com que o insustentável seja, na verdade, aquilo que os mantém fortes, unidos.
Ao fim do filme, Hubbell e Katie já não são mais marido e mulher. Após anos afastados, tornam-se, teoricamente, apenas estranhos que carregam consigo os segredos um do outro. Entretanto, um último encontro casual mostra, mais uma vez, que a distância física e mental jamais seria capaz de transformá-los em desconhecidos. Uma última troca de olhares, já longe da mirada juvenil, mostra ao espectador que, entre eles, o amor jamais deixará de existir. Pode ficar adormecido, guardado a sete chaves, trancafiado nas profundezas de seus seres. Mas basta uma pequena faísca para que os dois, novamente, se encontrem um em espaço comum.
Nosso Amor de Ontem (The Way We Were) – EUA, 1973
Direção: Sydney Pollack
Roteiro: Arthur Laurents (Francis Ford Coppola, Paddy Chayefsky, Herb Gardner, Dalton Trumbo não creditados)
Elenco: Barbra Streisand, Robert Redford, Bradford Dillman, Lois Chiles, Patrick O’Neill, Viveca Lindfors, Allyn Ann McLerie, Murray Hamilton, Herb Edelman, Diana Ewing, Sally Kirkland, Marcia Mae Jones
Duração: 118 min.