Depois do lançamento de Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror, em 1922, o cineasta alemão Werner Herzog decidiu produzir uma refilmagem, produção que chegou aos olhos estupefatos do público em 1979. Caso raro na indústria cinematográfica, ambas as narrativas podem ser consideradas obras-primas, cada uma, produzida em um contexto diferente, repletas de peculiaridades que a tornam singulares, num duplo exercício artístico envolvente e marcante, grandes referências para a presença da mitologia vampírica no âmbito da sétima arte. Alvo de polêmica na época em que foi lançado, a versão expressionista de F. W. Murnau causou alvoroço ao se tratar de uma adaptação sem a devida autorização da viúva de Bram Stoker, afinal, aqui estamos diante de traduções do romance do escritor irlandês para o campo do audiovisual. Quase apagado para sempre da história após o processo judicial, o filme foi reencontrado e hoje é uma referência para estudiosos, críticos, etc. Permitiu Herzog relê no final da profícua década de 1970, o decênio de Drácula, além de gerar o infame Nosferatu em Veneza, de 1988.
Na trama, o professor Paris Catalano (Christopher Plummer) faz uma viagem para cidade italiana em questão, tendo em vista investigar melhor o paradeiro de Nosferatu (Klaus Kinski), figura misteriosa que segundo dados de sua pesquisa, foi vista pela última vez no carnaval de 1786. Convocado pela jovem Princesa Helietta Canins (Barbara De Rossi), o docente tenta fazer o seu melhor trabalho, pois também acredita, tal como a nobre que lhe encomendou o serviço, que o vampiro perambula pela região, deixando o seu rastro de horror. Há, no entanto, uma teoria curiosa: para o investigador, Nosferatu está em busca de sua extinção. Ele não aguenta mais a eternidade.
Assim, temos a saga de observação para saber por onde anda esta criatura da noite, desejosa pelo desfecho da maldição que é a sua vida eterna. Entre idas e vindas, o vampiro é despertado de seu profundo sono após uma equivocada sessão espírita, numa história que também insere uma personagem feminina para representar a figura com semelhanças ao seu amor do passado, combustível para fazer Nosferatu manter algum interesse em trafegar por Veneza após o longo período de sono. Somos informados que só o amor de uma mulher pura, leia-se, virgem, pode eliminar o vampiro para sempre da face da Terra. Neste processo, entre busca por amor e pelo fechamento de sua jornada, o monstro pavimenta o seu caminho de sangue, culminando num encerramento com altas doses de mistério e repleto de possibilidades interpretativas.
Com direção de fotografia de Antonio Nardi, Nosferatu em Veneza não é aquilo que podemos chamar de equívoco estético. Há bons enquadramentos, a câmera se movimenta bem pelos espaços concebidos pela dupla formada por Luca Antonucci e Joseph Teichner, responsáveis por assinar o design de produção cuidadoso com os detalhes, em especial, os de época. Na trilha sonora, Luigi Ciccarelli entrega uma composição com paixão, ideal para a proposta presente no argumento, mas executada sem o brilho esperado para um filme que leva o forte nome em seu título. Monótono e bizarro, esta pérola do cinema traz bastidores mais interessantes que propriamente uma boa história ficcional. É o caso dos problemas ocasionados pelo ator Klaus Kinski, um profissional muito competente, mas conhecido por causar conflitos com membros da equipe técnica e demais envolvidos nas produções cinematográficas em que esteve presente. Ainda assim, mesmo com as crises, os participantes de um projeto com este potencial poderiam ter enfrentado melhor a situação e gerenciado as coisas para evitar o fiasco.
Agora, basta esperar pelo novo retorno de Nosferatu, já em produção.
Nosferatu em Veneza (Vampire in Venice, Itália– 1988)
Direção: Augusto Caminito
Roteiro: Alberto Alfieri, Leandro Lichetti
Elenco: Klaus Kinski, Christopher Plummer, Donald Pleasence, Barbara De Rossi, Yorgo Voyagis, Anne Knecht, Elvire Audray, Clara Colosimo, Maria Cumani Quasimodo
Duração: 100 min.